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René Queiroz

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quarta-feira, abril 14, 2010

Os negócios e a soberania

O ministro Nelson Jobim, sem que o Congresso e o povo fossem ouvidos, assinou, em Washington, tratado militar com os Estados Unidos. O objetivo é restaurar o acordo que existia antes e que o general Geisel rompeu em 1977. O governo cometeu erro político de que se dará conta no futuro. O Tratado, dizem seus defensores, é igual ao que temos com outros países do mundo. Não é: desafia-se o ministro Jobim a firmar um equivalente, em todas as suas cláusulas, com a Rússia de Putin ou a China Continental. Como todos os tratados, ele favorece o signatário mais forte. Benjamin Franklin aconselhava tratar bem o vizinho, mas manter o portão bem trancado. Jobim abre a porta do quarto. O tratado prevê o treinamento de militares brasileiros nos Estados Unidos. Quem treina, adestra, e quem adestra, busca obter certos resultados, entre eles, o da fidelidade.Os convênios militares são necessários quando um inimigo comum aos contratantes ameaça atacá-los em conjunto, ou em separado. É natural que juntem seus recursos, humanos, militares e econômicos, para a defesa. A que necessidade corresponde a submissão do Ministro Nelson Jobim? Estamos em paz com nossos vizinhos e com países distantes. Não temos contencioso algum que não possa ser resolvido com a diplomacia. Ao contrário: a grande ameaça que sofremos, a da perda de soberania sobre o território amazônico, vem, desde o século 19, exatamente dos Estados Unidos. O único acordo de defesa que a realpolitik nos aconselha é o tratado da Unasul, que reúna todos os recursos dos países do continente, a fim de enfrentar as ameaças externas à região.Argumenta-se que o governo do presidente Obama busca construir bom entendimento com o Brasil e os outros países. Mas os tratados, sobretudo os militares, não vinculam pessoas ou governos: vinculam estados. O Obama de hoje pode ser substituído por um Bush, um Reagan ou um Ted Roosevelt, amanhã. Não podemos abrir a guarda.Outro argumento, e este, imoral, é que sua assinatura é necessária para que a Embraer venda cem aviões supertucanos à Força Aérea Norte-Americana. Se os aviões são bons, o preço conveniente, e os Estados Unidos deles precisam, não há que subordinar uma coisa à outra. Seria natural que, em troca de comprar os aviões, os norte-americanos nos propusessem que lhes comprássemos veículos ou navios. Seriam moedas equivalentes de intercâmbio. Não podemos vender aviões, oferecendo, como vantagem extra, um só palmo de soberania.O presidente Lula sabe, de suas visitas ao Exterior, que o nacionalismo continua a ser a força das elites e do povo. Só no Brasil os grupos dirigentes desprezam a nação com a mesma desenvoltura que defendem os negócios. A firmeza na defesa da nacionalidade é tanto maior, quanto mais discreta. Há momentos em que se torna impossível conter a indignação, como ocorreu aos policiais federais, obrigados, pelo brio, a prender e a expulsar do país turistas ianques que nos ofenderam com seus gestos indecentes, como ocorreu no Mato Grosso. A soberania se exerce como a exerceu o presidente Geisel, em 1977, revogando, unilateralmente, como era de nosso direito, o Acordo Militar de 1952.O ministro Jobim desconhece como o povo acompanha seus atos, a começar pelo uso indevido de uniformes militares, proibido aos civis, pela lei 1803, de 14 de agosto de 1958, em seu artigo 40. É difícil aceitar, que ele tenha inserido – como declarou publicamente – dispositivo ilegítimo à Constituição da República. Não há razão política para que ele se mantenha nos mais altos cargos da República, com tal comportamento. Quem assim age, não defende a pátria: agride-a. A cidadania está reagindo com indignação ao acordo, como os internautas averiguam, ao visitar os comentários dos leitores dos blogs dos grandes jornais. Essa é também uma forma de o Congresso aferir a vontade popular. Todos os candidatos às eleições de outubro devem dizer, de forma clara, o que pensam do documento. Não podemos votar naqueles dispostos a alienar a soberania por um prato de lentilhas – perdão, por um mero negócio, como a venda de aviões.
Mauro Santayana

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