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René Queiroz

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quinta-feira, dezembro 01, 2005

O que vem por ai...

A cassação do deputado José Dirceu carrega múltiplos símbolos, significados e interrogações, que estão aí para serem decifrados e compreendidos. Na madrugada do dia 30 de novembro, o PT teve amputada, para o bem e para o mal, uma parte de sua história. Antes disso, já perdera parte de seu patrimônio programático e ético. Na política como na vida as perdas nem sempre são irreparáveis. Mas isso só é verdadeiro quando entendemos o sentido da perda e o processo que a engendrou. No caso do PT, um processo que iniciou bem lá atrás, por volta de 1995, quando o partido começou a flexibilizar seu programa e sua política de alianças. Flexibilizou tanto que sua musculatura política ficou flácida, cheia de varizes teóricas e estrias práticas. Um dos símbolos que a cassação de Dirceu traz é o da derrota dessa política. Uma derrota que deve custar muito caro, não só ao PT, mas à esquerda no Brasil e na América Latina.
José Dirceu não é o único responsável por isso, obviamente. Dizer isso não implica diluir nem igualar tipos de responsabilidade. O dirigente petista tem sua parcela de responsabilidade neste processo, e ela não é pequena. Mas entender o sentido das perdas sofridas pelo partido não passa exclusivamente pela análise de sua atuação individual. Aliás, responsabilizações individuais conduzem a avaliações equivocadas por ignorarem o caráter processual e histórico do caminho que conduziu o PT a onde ele chegou. As flexibilizações programáticas foram objeto de duras disputas internas no PT, resolvidas por uma margem estreita de votos. A esquerda do partido perdeu essa batalha e não teve forças para reverter o quadro. Agora, ela, o partido e a esquerda como um todo, terão pela frente uma intensificação da ofensiva da direita, ofensiva essa possibilitada pelos inacreditáveis flancos que o PT abriu em suas próprias linhas de defesa, que hoje se encontram desorientadas e com reduzida capacidade de ação.
O reconhecimento auto-crítico de que foi o PT que ajudou a criar as condições para essa ofensiva da direita é vital para enfrentá-la. Neste sentido, é um grande equívoco atribuir a responsabilidade central da crise a um “golpe midiático”. A grande mídia, cada vez mais, é um braço do grande capital financeiro. As grandes empresas de comunicação, como o nome já diz claramente, são grandes empresas mergulhadas em um mercado em crescente processo de oligopolização. A associação entre essas empresas e grandes conglomerados internacionais define, em última análise, as linhas editoriais estratégicas desses veículos. O grande equívoco cometido pelo governo Lula e por dirigentes do PT foi pensar que poderiam ter esses grupos como aliados. Muitos, dentro e fora do PT, denunciaram isso desde a primeira hora, mas a história dos grandes erros sempre é um pouco assim. O que é preciso entender é porque essas advertências costumam perder os debates. Parece haver uma insuficiência nelas que deve ser identificada sob pena da repetição dos mesmos erros ou do surgimento de novos...
Apesar de estar sob ataque e numa posição defensiva, as organizações de esquerda no Brasil ainda têm uma considerável força, fruto em larga medida de seu enraizamento social, para superar esse quadro. Resistir a situações adversas não é exatamente uma novidade em sua história. No entanto, alguns hábitos políticos não autorizam muito otimismo: a tendência ao divisionismo, a ausência de uma visão estratégica de longo prazo, o doutrinarismo ideológico no lugar do pensamento crítico, a subordinação de interesses coletivos estratégicos a interesses particulares táticos e a indigência teórica são algumas das pedras que estão no caminho. Talvez o somatório desses vícios ajude a entender o caráter insuficiente das advertências, mencionado acima. A disposição para a auto-crítica segue sendo uma atitude que freqüenta mais os discursos do que a prática política cotidiana. Erram aqueles, portanto, que acham que José Dirceu é o único que tem essa tarefa pela frente.
Nietzsche disse, certa vez, que muito sangue foi derramado na história antes que a primeira promessa fosse cumprida. Reconhecer os próprios erros é um passo importante mas não é uma garantia de que eles não se repetirão. Se fosse assim, a esquerda estaria em situação bem mais confortável. O que conta ao seu favor é que ela tem em seu código genético o gene da resistência. Mas se essa resistência não vier acompanhada de um aprendizado genuíno e contínuo, ela ressurgirá sempre como um remédio paliativo para sobreviver em períodos de grande crise. E tudo indica que estamos entrando em um período destes. Sobre as possibilidades que essa crise carrega consigo, vale a pensar nas seguintes palavras de Slavoj Zizek, em seu livro sobre Lenin, “Às portas da revolução”:
“A lua-de-mel de uma década com o capitalismo global triunfante acabou; a coceira dos sete anos há muito esperada já chegou – vejam-se as reações apavoradas da mídia, que, da revista Time à CNN, de repente começou a chamar nossa atenção para marxistas que manipulam a multidão de manifestantes ‘honestos’. O problema agora é estritamente leninista: como tornar realidade as acusações da mídia?Como inventar uma estrutura organizacional que vá transformar essa inquietação em demanda política universal?”
Marco Aurélio Weissheimer
da Agência Carta Maior

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