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René Queiroz

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sábado, fevereiro 26, 2005

Línguas desatadas

Elogie-se no presidente Lula sua sinceridade; critique-se os descuidos verbais. Entenda Lula que, na Presidência da República, deve acautelar-se contra o verbo solto. Dizia Richelieu que nada é mais necessário a um príncipe do que segurar a sua língua. Príncipe não é só o soberano ou o herdeiro do trono nas monarquias; é também o primeiro, o princeps, nos sistemas republicanos.
Podemos entender que, ao assumir o governo, e a fim de evitar uma crise política sem precedentes, Lula não tenha querido promover caça às bruxas. Sempre dissemos que dificilmente o Brasil suportará o exame de seu passado recente, sem que a justa indignação do povo se desate em fúria. Mas já é tempo de dar à sociedade brasileira todas as informações sobre o passado, quando mais não seja, para impedir que ele se repita. No Brasil os crimes são pagos pelos inocentes: os grandes roubam, o Estado deixa de cumprir os seus deveres, a miséria leva os pobres ao desespero e, muitas vezes, à violência.
Lula cometeu um deslize político, ao afirmar que sabia da corrupção em certa instituição estatal – tudo indica que se trate do BNDES – mas preferiu guardar silêncio. Isso, dentro da letra fria da lei, significa acobertar um crime. Quando o crime é cometido por uma autoridade pública, e quem o acoberta é um chefe de governo ou de Estado, configura-se crime de responsabilidade. Sendo assim, qualquer cidadão e, mais ainda, qualquer parlamentar, pode dirigir-se ao Congresso e ao STF, e pedir o impeachment do responsável. Mas será exatamente isso o que querem os próceres do PSDB?
Eles sabem que o processo de privatização das empresas estatais não resiste a um exame ético rigoroso. Lembre-se que um ministro de Estado da época confessou ao Senado que se tratava de alguma coisa nova, que não podia seguir os ritos tradicionais do Estado. Em suma, o Sr. Mendonça de Barros (basta consultar os anais do Senado) disse que as normas tradicionais de conduta do Estado estavam peremptas pelas exigências da globalização da economia. Recorde-se ainda que um dos diretores do BNDES disse que se armavam consórcios borocochôs, para iludir os iludíveis, enquanto outros davam a rasteira necessária. Voltemos a uma famosa conversa telefônica, gravada, em que um dos interlocutores era exatamente o Sr. Fernando Henrique Cardoso, na qual sua excelência dava sua aprovação a certa manobra, que favorecia o pretendente a um naco das telecomunicações.
Os franceses dizem que para alguma coisa serve a desgraça. Não se tratará exatamente de uma desgraça, mas de grande comoção política uma CPI que se forme para investigar o governo passado. Lula poderá ser punido, por ter deixado de investigar as possíveis - e evidentes para a opinião pública nacional - falcatruas na privatização dos bens públicos. Isso está dentro das regras do jogo. Mas, no processo de discussão parlamentar, é provável (e desejável) que se abra a caixa de Pandora. No caso, tendo em conta o vocábulo grego “bursa” e seu sinônimo clássico empregado na versão lusitana do mito de Pandora, que se rompa o tampo da ‘bolsinha’ da deusa.
Assim saberemos se realmente nos roubaram e a quanto atinge esse roubo. Os parlamentares tucanos talvez tenham caído no mesmo laço de língua em que caiu o presidente – e com conseqüências muito mais graves. Afinal, uma coisa é deixar de denunciar um crime. Outra é praticá-lo e usar todos os recursos – entre eles o da compra de parlamentares – a fim de manter o criminoso impune.
O risco que corre o pau, corre o machado.
MAURO SANTAYANA

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