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René Queiroz

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sexta-feira, fevereiro 11, 2005

E agora, PT?

O PT que se fundou há 25 anos, logo depois das greves memoráveis do ABC, não existe mais. Mas o que mudou: o próprio partido, os seus líderes ou os seus militantes?
Era lugar comum, durante o Segundo Reinado, dizer que só os liberais conseguiam realizar, no governo, as reformas conservadoras, e só os conservadores, as reformas liberais. Sempre que isso ocorria, conservadores e liberais sofriam o desfalque de suas fileiras, com a saída dos descontentes. O governo Lula está mantendo o projeto neoliberal (leia-se, ultraconservador) do Sr. Fernando Henrique Cardoso, o que explica a saída de petistas históricos, que se identificam como fiéis ao ideário do partido. Enfim, há, segundo os descontentes, clara contradição entre o partido e o governo.
Quando a esquerda chega ao governo, descobre que o Estado é a mais forte das instituições sociais, mas não é a única. Há outros poderes – os chamados “poderes de fato”, e de direita – que se contrapõem e atuam, em nome da liberdade de mercado, a fim de defender os interesses conservadores. A literatura registra esses dilemas dos velhos socialistas. Um dos melhores livros de A. J. Cronin, traduzido por Rubem Braga com o título de “Sob a luz das estrelas”, narra a história de um líder dos mineiros do País de Gales, que chega à Câmara dos Comuns, adapta-se às circunstâncias, ocupa posições importantes e, mais tarde, perde a confiança de seus eleitores. O romance começa com a mãe do jovem líder preparando a sua marmita pela manhã, para que ele a levasse ao fundo da mina, e termina com a mesma cena, muitos anos depois, quando ele retorna às suas origens.
Em “A Curva na Estrada”, o grande escritor português Ferreira de Castro cuida do tema, ao narrar a maltratada consciência de um líder socialista que se torna conservador, a fim de manter-se no poder. Aqui mesmo temos, entre outros fortes exemplos, o do jovem militante comunista Carlos Lacerda, filho do grande tribuno Maurício de Lacerda, e, a partir dos 30 anos, um dos mais ferrenhos adversários não só da esquerda, mas também dos trabalhistas e pessedistas brasileiros. O grande show-man Silveira Sampaio afirmava, com humor irônico, que Lacerda continuava comunista, e que só se tornara reacionário a fim de aguçar as contradições e, assim, favorecer a revolução.
Na verdade, a História nos mostra que só há dois partidos políticos: o conservador e o liberal, com suas nuances. É necessário restituir às palavras o seu sentido: a da ideologia do liberalismo nada tem a ver com o liberalismo econômico, e muito menos com o chamado neoliberalismo. Mesmo quando não institucionalizados, como ocorria na República Romana, os dois partidos já existiam: eram os “populares”, ou democratas, e os “optimates”, ou aristocratas. Embora o grande exemplo dos democratas fosse o plebeu Caio Mário, houve aristocratas famosos, como Catilina, que estavam ao lado do povo, e plebeus conhecidos, como Cícero, que se associaram aos aristocratas.
Os partidos políticos modernos nasceram na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa, de 1688. No início, eram apenas dois grupos, o dos whigs, que se identificavam na esquerda, e que impuseram os direitos do Parlamento sobre a coroa, e os tories, que defendiam a Coroa e a aristocracia. Somente em 1830 os dois grupos passaram a ser identificados como liberais e conservadores. Os partidos são “parlamentares”, ou seja, existem no plenário da Câmara dos Comuns e, evidentemente, formam, quando maioria, o poder executivo.
O surgimento do Partido Trabalhista (Labour Party), como expressão da esquerda liberal, em 1906, foi conseqüência das grandes desigualdades sociais provocadas pela industrialização acelerada na segunda metade do século 19. Os trabalhadores sentiram a necessidade de ter uma representação parlamentar própria, e a Sociedade Fabiana, de socialistas utópicos, deu-lhes o suporte financeiro para a disputa eleitoral daquele ano. Ponderável bancada foi eleita e forçou os liberais, com os quais naturalmente se coligaram, a adotar várias reformas sociais. Mas só em 1945, com a chegada dos trabalhistas ao poder, com Atlee, foram realizadas grandes mudanças, com a nacionalização da indústria do aço, das estradas de ferro, do Banco da Inglaterra e de outras grandes empresas, e a criação de eficiente Serviço Nacional de Saúde para o atendimento universal da população.
Vários governos conservadores, que se seguiram, alternando-se com os trabalhistas, esvaziaram muitas reformas, e coube a Margareth Thatcher liquidá-las finalmente, nos anos 80. Esperava-se que a retomada do poder pelos trabalhistas, com Tony Blair, trouxesse uma retificação de rumos, mas não foi o que ocorreu. Blair não só manteve a mesma política neoliberal de Thatcher, como a aprofundou. Hoje, a Inglaterra tem a aparência de um país de terceiro mundo, com as ferrovias caindo aos pedaços, os serviços de saúde sucateados, o desemprego se agravando e os pedintes ocupando as ruas centrais de Londres e outras grandes cidades, além de famílias inteiras percorrendo o país no interior de ônibus velhos, que lhes servem de moradia. Chegou-se ao cúmulo de que os serviços de energia elétrica sejam fornecidos aos pobres por meio de contadores caça-níqueis: quem quiser meia hora de luz que coloque ali antecipadamente os seus pence.
No caso do PT há uma circunstância curiosa: a classe média, assolada pela violência provocada pela desigualdade social, aceitou o programa do PT, a fim de construir uma sociedade mais justa e mais segura. Hoje a classe média está, pouco a pouco, se desiludindo.
O PT ficará menor, com a saída dos idealistas, ou se tornará maior, como se tornou a Arena? Irá aproximar-se mais ainda dos tucanos, dos peefelistas ou dos peemedebistas? Conseguirá a reeleição de Lula, ou perderá a Presidência, daqui a quatro anos?
Tudo isso vai depender de muitas coisas, mas o PT que se fundou, há vinte e cinco anos, logo depois das greves memoráveis do ABC, não existe mais. Enfim, mudou o PT, mudaram os seus líderes, ou mudaram os militantes?

Mauro Santayana

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