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René Queiroz

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quarta-feira, agosto 10, 2005

O que diria Florestan Fernandes?

Hoje completa uma década da morte de Florestan Fernandes. O notável sociólogo percorreu um caminho que é um exemplo para os brasileiros. Já adulto, completou a sua formação pré-universitária por meio dos exames de madureza. Teve de abandonar os estudos no terceiro ano primário e só aos 17 anos de idade pode retornar à escola. Estudava à noite e trabalhava em dois empregos. Tinha tido uma infância dura. Sua mãe, empregada doméstica, criou sozinha o filho. Mesmo assim, o sociólogo nunca usou o passado para legitimar nenhuma posição política que adotou. Pelo contrário, foi um estímulo para enfrentar as dificuldades da vida.Nos livros, tratou da discriminação sofrida pelos negros, estudou os indígenas, lançou o olhar sobre o lazer dos dominados, discutiu a revolução no Brasil e na América Latina. Intelectual militante, encontrou no Partido dos Trabalhadores um conduto para a luta política. Foi eleito duas vezes deputado federal, em 1986 e 1990 (não concorreu à reeleição, em 1994, pois estava muito doente). Na Câmara, manteve a coerência e o rigor dos tempos da USP, de onde foi expulso pelo Ato Institucional nº 5 sob o silêncio complacente dos colegas.Com presunção, reconheço, fico pensando: o que poderia escrever Florestan Fernandes sobre a grave crise que vive o PT, o governo Lula e a República brasileira? Certamente estaria estarrecido com as denúncias de corrupção envolvendo a direção do Partido dos Trabalhadores e membros do alto escalão do governo. Poderia considerar o PT como um novo partido da ordem, tal qual tantos outros, semelhante até nas formas dos desmentidos frente às denúncias: a falsa indignação, o choro e a defesa hipócrita dos valores republicanos.Será que buscaria a origem do esquema de corrupção muito antes de primeiro de janeiro de 2003? Afinal, hoje constatamos que a direção do PT tinha um saber adquirido - que há muito transformava recursos públicos em partidários - proveniente, provavelmente, da experiência administrativa em gestões municipais, sindicatos e fundos de pensão de bancos e empresas estatais.Dessa forma, a subtração planejada dos recursos públicos tem uma história - e de longa duração - que era desconhecida de muitos membros, simpatizantes e eleitores do partido.Vez ou outra saía uma denúncia sobre desvios na aplicação dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, sobre uma prefeitura petista supostamente envolvida na compra suspeita de merenda escolar (como em Ribeirão Preto, na gestão Antonio Palocci), ou, ainda, sobre negociações nebulosas com os empresários de transporte urbano (caso de Santo André). Porém, logo tudo era esquecido sob o argumento de que a direita estava querendo desconstruir a imagem do partido e de seus dirigentes.A amnésia petista também alcançou momentos importantes da sua história. Hoje é patética a defesa que seus parlamentares fazem do governo nas CPMIs. Quanta diferença em relação à CPI que levou ao impeachment de Fernando Collor! Diversamente de 1992, buscam desesperadamente filigranas jurídicas para desqualificar os depoimentos, quando não a própria truculência. Tudo em vão, pois, no dia seguinte, as denúncias são confirmadas. E ampliadas. A desmoralização do PT, que terá um efeito eleitoral devastador em 2006, é muito maior que simplesmente o desmascaramento da sua liderança. Atinge o coração da democracia, pois desqualifica a ética como princípio basilar da vida republicana. Desmoraliza a política como espaço de participação popular e coloca na lata de lixo - ao menos momentaneamente - a idéia de mudança.O partido é, hoje, um cadáver político. Não tem mais qualquer condição de reviver. Seus dirigentes vivem o ocaso. Logo serão lembrados como uma melancólica página da nossa história. Mas muito pior que tantas outras, pois durante 25 anos representaram um papel que ganhou ares de verossimilhança. Seus eleitores não imaginavam que, ao votar no partido, estavam dando carta branca para Delúbio Soares, Silvio Pereira e tantos outros. Mas é necessário ir além: é chegada a hora de identificar no presidente da República a razão central da crise. A direção do partido foi eleita com seu apoio. São de sua inteira responsabilidade as nomeações de ministros e diretores de empresas estatais. A construção da base política do governo no Congresso Nacional, com farta distribuição de cargos, passou pelo gabinete presidencial. Lavar as mãos, fingir indignação ou imputar à elite uma conspiração para derrubá-lo reforça um comportamento político messiânico que, no limite, despreza as instituições democráticas do Estado de Direito.
São ridículas as tentativas de se afastar da crise política discursando para platéias escolhidas a dedo e se emocionando com sua biografia. O papel de herói de si mesmo se esgotou. Hoje, a pergunta central é se o presidente Lula teve participação direta neste processo ou se simplesmente concordou pela omissão. Os dois casos são contemplados pelo artigo 85 da Constituição Federal.

Marco Antonio Villa, 49, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP)

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