pensante

René Queiroz

Minha foto
Nome:
Local: Sampa, Brazil

marcado

segunda-feira, setembro 19, 2005

trechos da entrevista com Marilena Chaui

Agência Brasil - Professora, num país como o Brasil, o que significa comemorar 114 anos da proclamação da República, como aconteceu no último sábado?
Marilena Chauí - É preciso lembrar pelo menos três coisas importantes para entendermos a nossa república. A primeira é que a noção de república não é idêntica à de democracia. A república, tal como ela é pensada em Roma, é um governo aristocrático, ou seja, é uma oligarquia. Apenas aqueles que são definidos, no caso de Roma, como romanos, isto é, participantes da propriedade do solo de Roma, é que são considerados politicamente válidos.
Isso significa, portanto, que não podemos identificar república e democracia. A república é a exigência da separação entre o espaço privado e o espaço público e da existência da constituição escrita, mas ela não está vinculada à idéia de um direito universal à participação política e ao exercício do Poder, que vai ser a idéia da democracia. Esse é o primeiro ponto que é importante, porque dá para entender porque é que você é republicano no Brasil, sem ser necessariamente democrático. Você também pode entender por que nos Estados Unidos existem dois partidos, um chamado republicano e outro chamado democrata.
O segundo ponto que é interessante observar no caso do Brasil é que a proclamação da República se dá num quadro semelhante ao da proclamação da independência. Quando você toma os outros países da América Latina ou da Europa, as repúblicas foram constituídas a partir de revoluções, de guerras civis, de lutas populares pela implantação do novo regime.
No caso do Brasil, tanto a independência, quanto depois a república, é um golpe de estado. O governante toma a decisão de mudar a forma do regime sem que isso seja proveniente de uma vontade popular que tenha se manifestado de alguma maneira. A república no Brasil é implantada de cima pra baixo, diferentemente dos outros processos republicanos em que ela vai da ação popular na direção do Poder político.
O terceiro ponto é que a nossa república sempre foi oligárquica, à maneira dos romanos, e, dada a sua origem de implantação de cima pra baixo, ela sempre foi uma república autoritária. Ela corresponde ao autoritarismo da sociedade brasileira.
Agência Brasil - Em sua opinião, quais são os pontos aos quais o atual governo precisa atentar para efetivar essa democracia?
Marilena - Este é um momento historicamente adverso para a democracia. A democracia é constituída por duas idéias principais. Primeiro, pela idéia de que ela é uma forma social de criação de direitos pela ação da própria sociedade, e esses direitos têm de ser conservados e garantidos pela sociedade. Na medida em que está implantado o modelo neoliberal no mundo inteiro, a idéia de criação de direitos e de conservação e garantia dos direitos pelo Estado é uma idéia que está em crise. Portanto, o governo Lula, para assegurar o caráter democrático, tem que navegar contra a maré presente.
A segunda coisa é que a democracia se caracteriza - ela é o único regime político que tem essa característica - por considerar que o conflito é legítimo e que o conflito exprime a vida democrática. Em todas as outras formas políticas, o conflito é aquilo que é considerado um perigo, ilegítimo, ilegal, e ele é reprimido.
Na democracia, ele é considerado o coração mesmo do regime, a explicitação de contradições, de conflitos, de antagonismos, de diferenças. Ora, a tendência no Brasil, em função do autoritarismo social e da nossa tradição política oligárquica, é não suportar a expressão dos conflitos e considerá-lo imediatamente uma crise, dando um sentido muito peculiar à noção de crise.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.