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René Queiroz

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segunda-feira, julho 21, 2008

Serenata no 13 em sol maior


Numa tarde ensolarada do começo do outono, a “Serenata no 13 em sol maior”, de Mozart, ecoava pela sala envidraçada que abriga a presidência do banco Opportunity. A ela, seguiram-se sonatas, sinfonias, concertos. O ocupante da sala, o economista Daniel Dantas, surpreendeu-se com a pergunta sobre o seu apreço por música clássica. “Como?”, reagiu, sem entender. “Ah, a música!”, disse, afinal. Com um sorriso maroto, caminhou em direção à janela, apontou um pequeno vão no teto, entre a janela e a persiana, e informou: “Descobrimos microfones aqui, estavam ouvindo as conversas e antecipando nossos movimentos”. Dantas mandou instalar um sistema de som no forro do teto do banco — o Opportunity ocupa o 28o andar de um dos maiores prédios do centro do Rio — para dificultar a gravação do que se diz ali. Para evitar que adversários registrassem suas palavras, chegou a fazer reuniões nas nuvens. O jato particular decolava do aeroporto Santos Dumont e não ia a lugar nenhum. Dava voltas sobre o Rio, às vezes por mais de uma hora, para que executivos do Opportunity pudessem conversar livres de grampo. Alguns códigos não-verbais foram criados para a comunicação entre Dantas e seus diretores, reduzindo a necessidade de conversas. Ele recorre a videoconferências apenas para se comunicar com seus advogados em São Paulo, Paris, Nova York e Londres. E só em último caso, diz, usa o telefone para tratar de “assunto sério”. Quando era ministro, no primeiro mandato do presidente Lula, Luiz Gushiken deu um depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre corrupção nos Correios. O ex-chefe de Comunicação definiu com precisão o “assunto sério” que, há oito anos, mobiliza as energias de Daniel Dantas. Gushiken disse na cpi que o Opportunity é o pivô da “maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro”. O alvo da contenda é o controle de companhias de telecomunicação, saneamento e transportes que, juntas, estão avaliadas em mais de 20 bilhões de reais. A disputa, que se desdobra em dezenas de ações judiciais em três continentes, opõe um dos maiores bancos americanos, o Citi, uma das grandes companhias de comunicação da Europa, a Telecom Italia, e dois gigantescos fundos de pensão brasileiros, a Previ (do Banco do Brasil) e a Petros (da Petrobras). Os quatro pesos-pesados classificam Daniel Dantas como inimigo. Em decorrência dessa briga maior, o banqueiro tem um rol de adversários que se estendem do mundo político à imprensa, do Judiciário ao Ministério Público, do empresariado à Polícia Federal. Aos 52 anos, de altura mediana e magreza de adolescente, o que lhe dá um ar de fragilidade, Dantas conserva uma aparência jovem, embora os fios de cabelo no topo da cabeça estejam rareando. Tem olhos grandes, de um azul opaco, que se desviam com freqüência do interlocutor, como se lhe incomodasse ser observado com atenção. Caminha quase o tempo todo enquanto fala. Seja qual for a pergunta, jamais altera o tom de voz. Ainda que prefira se refugiar em abstrações a se deter em casos concretos, Dantas é um fino imitador. É com um cômico sotaque baiano-americano, por exemplo, que repete uma das máximas de Roberto Mangabeira Unger: “É a décima-terceira badalada que desmoraliza o sino”. Unger, professor em Harvard, para quem Lula criou a famosa Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, prestou assistência a Dantas na área de direito internacional. Foi pago pela Brasil Telecom, empresa controlada pelo Opportunity, e recebeu 2 milhões de dólares, entre 2002 e 2005. O bom humor demonstrado pelo banqueiro destoa de sua reputação no mundo corporativo, no qual é visto como negociador ardiloso e desleal. “Daniel é incapaz de cumprir um acordo: para ele, um negócio é bom quando só ele ganha”, diz um executivo de uma empresa em litígio com o banqueiro. É difícil encontrar um empresário que se disponha a elogiar o criador do Opportunity. Sergio Andrade, dono da Telemar e da Andrade Gutierrez, é exceção. Num almoço recente, num restaurante no Leme, comentou com um amigo sobre o ex-sócio no metrô carioca: “Ele tem uma rapidez de raciocínio prodigiosa”. Andrade contou que, já há alguns anos, tomara a decisão de não brigar com Dantas. “Acho ele simpático”, disse, sorrindo. A conversa foi por outros rumos. Dez minutos depois, perguntado se ainda tinha alguma operação na internet, Sergio Andrade respondeu que não. “Bem que eu gostaria, mas o Daniel me tomou o ig”, completou, já sem sorrir. Em 2004, a Telemar anunciou a compra do portal — estava prestes a adquirir a participação de um fundo de investidores estrangeiros. Faltava apenas a avaliação final do negócio. Ao tomar conhecimento da proposta da Telemar, Dantas ligou para o representante do tal fundo, e ofereceu pagar à vista, naquele mesmo instante, sem avaliação, os 50 milhões de dólares que a concorrente estava oferecendo. Levou a empresa na hora. Em 1997, a iniciativa do governo Fernando Henrique de privatizar empresas de telefonia, transporte e saneamento foi recebida como uma atualização, tardia e urgente, do capitalismo no Brasil. Daniel Dantas juntou-se a um grupo de investidores para disputar os leilões e participar de uma empresa adequada às novas regras, com capital privado nacional e estrangeiro, além de uma participação estatal. A promissora sociedade logo se transformou numa fonte de conflitos. Ao longo de uma década, Dantas se indispôs com todos os seus parceiros. Primeiro se afastaram os canadenses da tiw, companhia telefônica que se associara a ele na compra das operadoras de celular Telemig e Amazônia, e os argentinos da Cometrans, com os quais tinha sociedade no Metrô do Rio. Os dois o acusaram de tê-los ludibriado. Em seguida, Dantas se desentendeu com dirigentes dos fundos de pensão. Por fim, perdeu o apoio do parceiro estratégico, o Citibank. Como se fosse pouco, abriu uma frente de batalha com a Telecom Italia. A origem das desavenças está na estrutura societária montada por Dantas, que lhe garantia o controle das companhias privatizadas, embora sua participação acionária fosse bem menor do que a dos demais sócios.
Revista Piauí

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