PETISMO, IDEOLOGIA E PODER
Esgotou-se, com a entrada de outubro, o prazo legal para o troca-troca partidário. A movimentação dos interessados aconteceu, mas algo estranho sucedeu-se. O esperado encolhimento do PT ficou muito aquém das expectativas projetadas por comentaristas da imprensa e setores da oposição.De onde nasceu essa expectativa de que o PT poderia perder cerca de vinte deputados federais e sofreria debandada equivalente em sua base social? Nasceu da avaliação, incorreta, de que os escândalos de corrupção envolvendo a cúpula palaciana e partidária do PT seriam suficientes para liquidar de vez com a viabilidade eleitoral da candidatura de Lula à reeleição, e para, nas palavras do senador Bornhausen, livrar o país da “raça petista” por cerca de trinta anos.É bem verdade que as investigações das CPIs, embora em adiantado estado de degeneração, ainda não se esgotaram e sempre podem trazer novas revelações. A hipótese do impeachment de Lula, embora engavetada pela oposição, também não foi sepultada com gostariam alguns. Além disso, o verdadeiro impacto dessa crise sobre a força política do petismo junto à opinião pública somente poderá ser devidamente avaliado após a abertura das urnas de 2006. Mas, é inegável que a capacidade de resistência do PT revelou-se impressionante.Segundo as pesquisas mais recentes, Lula preservaria cerca de 35% das manifestações de preferência dos eleitores nas projeções para 2006. Mesmo sob as circunstâncias adversas em que se encontra, o PT – sob crise financeira (?) e fogo cerrado da mídia – mobilizou mais de 300 mil filiados em todo o país para a eleição direta de sua nova cúpula dirigente e, a serem corretas as avaliações correntes, deve eleger Ricardo Berzoini para comandar a legenda por mais um período. Ou seja, ainda que tenha perdido poder para sua ala esquerda, o grupo de Lula e José Dirceu estaria preservando seu controle sobre a mais poderosa máquina partidária existente no país. Mais do que isso, o petismo teria apenas “queimado gordura” (recuperável na disputa) junto à opinião pública e, não só não teria sido atingido “no osso”, como, se comparado o desempenho de Lula nas pesquisas hoje com seus resultados em primeiro turno em eleições anteriores, o PT estaria mais forte junto a seu eleitorado fiel, do que estava no primeiro turno de 1998.Lula fez quase 15% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial de 1989; 27% no primeiro turno da eleição de 1994 e 31,7% no primeiro turno da eleição de 1998. Em 2002 Lula rompeu a barreira dos 30% penetrando num eleitorado que antes votava em outros partidos. Hoje, Lula perdeu essa gordura, mas, se considerarmos que índices de pesquisas não se equivalem a resultados eleitorais - pois não excluem do total aferido os votos brancos e nulos - veremos que, se a eleição presidencial de 2006 fosse hoje, o petista teria, no primeiro turno, desempenho melhor do que teve no primeiro turno de 1998.Dois aspectos merecem atenção quando se trata avaliar as razões pelas quais não teria se confirmado a debandada geral da ala esquerda do PT em direção ao PSOL. Em primeiro lugar, está o cálculo de perdas e ganhos. Os parlamentares da esquerda petista são radicais por conveniência, mas não rasgam dinheiro. O quorum da eleição interna do PT e os índices de Lula nas pesquisas pesaram fortemente nos cálculos dessa gente. A maioria deles percebeu que a teta petista ainda tem muito leite para dar e que será mais fácil tentar a reeleição pelo PT do que arriscar uma aventura no novo PSOL e perder a boquinha do mandato legislativo, tendo que refazer desde o começo o árduo trabalho de construção partidária que os petistas tiveram que fazer ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado.Mas o aspecto mais importante a destacar aqui não é este. A informação relevante que emerge do alto índice de participação dos filiados no PT na sua eleição interna, e da preservação do excelente desempenho de Lula na pesquisas eleitorais de 2006, diz respeito à solidez dos vínculos do petismo com suas bases sociais.A maioria do eleitorado brasileiro é conservadora. Lula só se elegeu em 2002 porque moderou seu discurso e seu programa de governo e porque essa maioria conservadora do eleitorado estava decepcionada com as alternativas que lhe foram oferecidas fora do espaço da esquerda no menu ideológico. A novidade que deve servir de alerta aos adversários do PT, é que, a partir de 2002 esse eleitorado aceitou flertar com uma candidatura de esquerda. A ideologia de esquerda não é hegemônica na sociedade brasileira. Mas está solidamente enraizada junto à fatia de cerca de 35% do eleitorado que sustenta o desempenho de Lula nas pesquisas para 2006.Partindo de uma base de penetração em cerca de 35% do eleitorado de Porto Alegre, por exemplo, o PT governou a capital gaúcha por 16 anos seguidos, e, no poder, a partir de uma estratégia gramsciana, construiu a hegemonia da ideologia de esquerda junto à maioria da população da cidade. O PT só perdeu a eleição de 2004 em Porto Alegre porque estava desgastado pelo longo reinado, e porque errou ao abandonar seu discurso tradicional, inteligentemente apropriado por Fogaça.Nenhum partido brasileiro possui um capital político tão sólido como esse que o PT soube acumular ao longo de seus 25 anos de existência. Ao supor que o PT desmoronaria como um castelo de cartas após a revelação de suas entranhas corruptas, a oposição só revelou uma coisa: ainda não entendeu a natureza do fenômeno petista e trata o PT como se fosse apenas mais um partido qualquer no sistema partidário brasileiro. Subestimar o inimigo é o primeiro passo para a derrota.
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