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René Queiroz

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sexta-feira, setembro 30, 2005

Uma sociedade sem esteios

Estamos à deriva da sensatez.
De um lado, o Sr. José Alencar filia-se ao partido comandado pelo bisco Edir Macedo. De outro, o governo insiste na violência federativa que é a transposição das águas do São Francisco.
Os fatos dos últimos dias nos mostram como muitos estão perdendo o senso da realidade. Nas horas finais para a inscrição partidária, visando ao pleito do ano próximo, houve um corre-corre, em que menos se pensava no espaço nacional, e mais nos próprios espaços políticos. E tivemos surpresas espantosas, como a da filiação de homens como o Sr. José Alencar ao partido criado e comandado pelo bispo Edir Macedo.
A simples existência de um partido – tenha o nome que tenha – sob a liderança da Igreja Universal do Reino de Deus é aberração em um estado laico, como o nosso, e mais ainda em uma sociedade que busca combater a injustiça e a exploração dos pobres. Sabe-se que o Sr. Edir Macedo se encontra sub-judice, em processos que se arrastam há anos, sob a suspeita de lavagem de dinheiro e evasão ilegal de divisas. O Sr. José Alencar tem uma biografia que não o aconselhava a uma escolha partidária como essa. Mas, enfim, a cada um a sua liberdade.
Não fica nisso o balé dos espantos. O governo insiste na violência federativa que é a transposição das águas do São Francisco ao Nordeste. Sr. Ciro Gomes quer partir logo para o fato consumado. Mas ele se engana: a menos que Lula se reeleja, essa obra não será terminada nunca. Há mais: já se articula, nos Estados da Bahia e de Pernambuco, uma reação viril contra a sangria do São Francisco, no momento em que ela for ensaiada. O exemplo de Itamar, no caso de Furnas, está sendo citado nas margens do São Francisco. O governo não se dá o cuidado de nem mesmo ouvir os governadores da região.
No melhor dos casos, corremos assim o risco de se gastarem centenas de milhões em uma fase inicial da obra, para que ela seja interrompida pelo bom senso dos governos futuros. O problema não é só de natureza técnica, é também de natureza política. O governo Lula, nesse particular, está seguindo a arrogante postura centralizadora do seu antecessor.
Do ponto de vista técnico há várias razões contra o projeto. Elas foram expostas com clareza pelo governador João Alves, de Sergipe. Contra o projeto também já se manifestaram o governador e representantes da sociedade baiana. Mas tanto o Ministro, quanto o Presidente, batem o pé, como se o Brasil não fosse, pelo menos formalmente, uma federação, e um estado democrático, no qual a sociedade tem o direito de decidir o que pode e o que não pode fazer o governo central. Como muitos já apontaram, o problema do nordeste não é o da falta de água: é o de falta de solidariedade dos ricos para com os pobres. É a velha divisão, que o saber popular registra, entre “cavalcantis e cavalgados”, em Pernambuco, e entre “coutinhos e coitados” na Paraíba.
Se continuar insistindo no projeto, o presidente Lula pode ter uma torrente de votos contrários, se vier a disputar a reeleição. Os sentimentos telúricos são muito mais fortes do que se pensam. Ainda agora, a Catalunha acaba de declarar-se “uma nação dentro da Espanha”.
Estamos à deriva da sensatez.
Mas há sinais de que a cidadania não aceitará o que era comum no passado.
A condenação de um juiz de direito que matou covardemente um vigia de Supermercado, graças ao irretorquível depoimento de uma câmara de televisão, ainda que tenha sido branda para o tipo de crime que cometeu, é sinal de que os tempos são mudados.
Estamos redescobrindo o Brasil: o Brasil dos cidadãos.
Era um Brasil que existia, mas se mantinha sitiado pelas elites.
E se as elites não o aceitarem, ele as dispensará, mais cedo do que tarde.

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