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René Queiroz

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quinta-feira, setembro 22, 2005

Carta aos alunos - Marilena Chaui - trechos

Vocês sabem que a diferença entre a ordem humana, a ordem física e a ordem biológica (para usar expressões de Merleau-Ponty [filósofo francês, 1908-1961]) decorre do fato de que as duas últimas são ordens de presença enquanto a primeira opera com a ausência. As leis físicas se referem às relações atuais entre coisas; as normas biológicas se referem ao comportamento adaptativo com que o organismo se relaciona com o que lhe é presente; mas a ordem humana é a do simbólico, ou seja, da capacidade para relacionar-se com o ausente.
É o mundo do trabalho, da história e da linguagem. Somos humanos porque o trabalho nega a imediateza da coisa natural, porque a consciência da temporalidade nos abre para o que não é mais (o passado) e para o que ainda não é (o futuro), e porque a linguagem, potência para presentificar o ausente, ergue-se contra nossa violência animal e o uso da força, inaugurando a relação com o outro como intersubjetividade.
Num belíssimo ensaio sobre “A Experiência Limite”, Blanchot [Maurice Blanchot, escritor e crítico francês, 1907-2003] marca o lugar preciso em que emerge a violência na tortura de um ser humano. A violência não está apenas nos suplícios físicos e psíquicos a que é submetido o torturado; muito mais profundamente ela se encontra no fato horrendo de que o torturador quer forçar o torturado a lhe dar o dom mais precioso de sua condição humana: uma palavra verdadeira.
NÃO FALO.
Vocês já leram La Boétie [Étienne de la Boétie, filósofo francês, 1530-1563, amigo do filósofo Michel de Montaigne]. Sabem que a servidão voluntária é o desejo de servir os superiores para ser servido pelos inferiores. É uma teia de relações de força, que percorrem verticalmente a sociedade sob a forma do mando e da obediência. Mas vocês se lembram também do que diz La Boétie da luta contra a servidão voluntária: não é preciso tirar coisa alguma do dominador; basta não lhe dar o que ele pede.
NÃO FALO.
A liberdade não é uma escolha entre vários possíveis, mas a fortaleza do ânimo para não ser determinado por forças externas e a potência interior para determinar-se a si mesmo. A liberdade, recusa da heteronomia, é autonomia.
Falarei quando minha liberdade determinar que é chegada a hora a vez de falar.”
Marilena Chaui

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