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René Queiroz

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domingo, julho 27, 2008

UM PROFETA - Alexis de Tocqueville

Raymond Aron, um dos grandes artesãos do "retorno a Tocqueville", nos dá uma chave para compreendê-lo, intitulando o primeiro capítulo de seu "Ensaio Sobre as Liberdades - Alexis de Tocqueville e Karl Marx". O sucesso de Tocqueville é ao mesmo tempo o de um anti-Marx e o de um substituto da crítica marxista. De um lado, o "profeta" Tocqueville é quem responde à profecia revolucionária marxista. Lá onde Marx via a lei da exploração capitalista e a violência da luta de classes denunciar as ilusões da democracia formal, Tocqueville declarou, ao contrário, o fim das sociedades de classe e a coincidência cada vez mais exata entre a igualdade inscrita nas instituições do Estado e a realidade da aproximação das condições e das fortunas. Esse Tocqueville era adequado a tornar-se o herói da democracia liberal, oposta ao totalitarismo marxista.
O desmoronamento do sistema soviético evidentemente mudou a situação. Não havia mais totalitarismo para se opor à democracia. Mas também não havia mais uma alternativa de envergadura para o capitalismo. A denúncia marxista das relações de produção se reciclou então no Ocidente na denúncia da "sociedade de consumo", identificada com o "individualismo democrático".
Foi aí que o profeta Tocqueville mudou de emprego. Em vez de ser a testemunha da coexistência harmoniosa entre o capitalismo e a democracia, tornou-se o analista sombrio da perversão democrática que conduz ao "totalitarismo brando" da sociedade de consumo. Os dois grossos tomos de "A Democracia na América" foram assim reduzidos às duas ou três páginas do capítulo do segundo que evocam o risco de um poder tutelar exercido sobre homens absortos por seus "prazeres pequenos e vulgares".
Essas páginas tiveram, aliás, um estranho destino. Elas haviam sido valorizadas, na França dos anos 20, por um comentarista católico reacionário, Antoine Rédier, que desejava colocar Tocqueville em contradição com sua própria fé nas virtudes da democracia. Este inspiraria Jacob Paul Mayer, autor em 1939 do livro de referência sobre Tocqueville intitulado "Prophet of the Mass Age" [Profeta da Era de Massas] e prefaciador, 30 anos depois, de "A Sociedade de Consumo", de Jean Baudrillard.
Apesar desse patrocínio, a análise de Baudrillard continuou fortemente ancorada na teoria marxista do fetichismo das mercadorias. Mas em 30 anos pudemos ver a crítica da falsa democracia da mercadoria inverter-se, tornar-se a simples crítica da democracia "como reinado da mercadoria". O segredo dessa crítica é simples: consiste em fazer das novas formas da dominação capitalista mundial a conseqüência funesta da "igualdade de condições", o fato de um indivíduo democrático de massa, ávido de prazeres sempre novos e destruidor do bem comum. Damos glória então a Tocqueville por ter previsto esse reinado totalitário do "indivíduo democrático".
Repetimos à vontade outrora a boutade de Marx dizendo que não era marxista. Também seria justo dizer que Tocqueville não era o que hoje chamamos de tocquevilliano.

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