pensante

René Queiroz

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sábado, fevereiro 16, 2008

Obama, um falso brilhante entre medíocres

A campanha do senador Barack Obama (de Illinois), candidato a candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos, fornece uma chave para a compreensão do que se passa hoje no país. Ninguém levava a sua précandidatura realmente a sério, até a realização das primárias do partido, em Iowa, no começo de janeiro, quando ele derrotou a favorita Hillary Clinton. E a “zebra” quase se repetiu, em 8 de janeiro, nas primárias de New Hampshire. Agora, ninguém mais acha absurda a hipótese de os Estados Unidos elegerem o seu primeiro presidente negro. Como explicar?Em primeiro lugar, e de longe o dado mais importante: em 2003, Obama se opôs à invasão militar do Iraque, ao contrário de Hillary e de toda a alta cúpula do Partido Democrata (a ex-primeira-dama, diga-se de passagem, não apenas aprovou a aventura militar de George Bush, como também apoiou com entusiasmo o bombardeio de Beirute por Israel, em 2006). Ora, a questão central da atual campanha eleitoral consiste, precisamente, no debate sobre como resolver o pesadelo que Bush criou para os Estados Unidos no Iraque. Obama é o único candidato que pode falar o que quiser a respeito, sem parecer oportunista, cínico ou, simplesmente, “espertalhão”. E ele oferece uma perspectiva clara: retirada de todas as tropas, no ritmo mais acelerado possível (defende o prazo de 31 de março de 2008).
Outra parte da resposta é dada pelo principal eixo da campanha de Obama: mudança. Ele diz abertamente que os anos Bush quebraram os Estados Unidos, dividiram a nação e atraíram o ódio do planeta. Numa crítica mordaz ao Congresso (incluindo parte dos deputados de seu próprio partido), diz que pretende deixar o Legislativo “antes que toda esperança seque dentro de mim”. Com isso, Obama dialoga diretamente com todos os que se sentem cansados das aventuras de Bush e com os que já não acreditam mais “nos políticos”. Não por acaso, depois das primárias de Iowa, todos os pré-candidatos, incluindo os do Partido Republicano, incluíram a palavra “mudança” em seus respectivos discursos. Sua história pessoal o credencia para falar como “cidadão do mundo”: Barack (“abençoado”, em árabe) é fi lho de africano (seu pai, nascido numa pequena vila, no Quênia, ganhou uma bolsa para estudar na Universidade do Havaí, onde conheceu sua mãe, durante uma aula de russo), é neto de muçulmanos,passou a infância na Indonésia e abriu o caminho para, de volta aos Estados Unidos, formar-se em direito, em Harvard. Em seu livro de memórias, conta que usou drogas na adolescência, e que era atormentado por questões raciais, agravadas por ter sido criado em um lar desfeito (seu pai abandonou sua mãe quando ele tinha 2 anos). Assim, ele personifi ca, de certa forma, o velho sonho da mítica América como a “terra das oportunidades”. É a face oposta da América de Bush, oriundo de uma tradicional família da elite branca. E também representa o self made man contra o poder da recente dinastia Clinton.
Estranho no ninho? O seu grande trunfo reside muito mais na sua imagem de “estranho no ninho” de cobras de Washington do que em seu programa eleitoral, que não é muito diferente do apresentado pelos outros candidatos democratas. Embora seja favorável ao direito ao aborto e se oponha a uma legislação nacional proibindo casamento entre seres do mesmo sexo, Obama apóia o “endurecimento” contra os imigrantes ilegais (é favorável à nova legislação proposta por Bush) e propõe, no máximo, algumas medidas cosméticas para “disciplinar” o neoliberalismo desenfreado da era Bush. Como outros democratas, também propõe medidas para conter a emissão de carbono, favorece pesquisas com células-tronco e uma reforma tributária que atenue um pouco o sofrimento dos mais pobres. Quando questionado por Hillary sobre o ponto mais diferenciado de sua campanha – as conseqüências regionais e mundiais de uma rápida retirada das tropas do Iraque –, Obama joga o problema para a comunidade das nações. Diz que uma solução estável e realista depende de a Casa Branca recuperar o seu prestígio planetário, abalado pelos republicanos. E aproveita para estocar Bill Clinton (principal cabo eleitoral de sua mulher), que não poupa elogios ao ex-presidente Ronald Reagan, o grande precursor do neoliberalismo nos Estados Unidos. O recado é claro: Bill e Hillary são farinha do mesmo saco conservador que abriga Bush e os demais. Com esse discurso, Obama atrai o apoio de jovens, intelectuais e de atores bem conhecidos, como Tom Hanks, Jodie Foster, Will Smith e Paul Newman. Do lado do Partido Republicano, a confusão é imensa. Se, entre os democratas, os nomes de Hillary e Obama aparecem como os mais prováveis, ninguém ousa prever nada sobre o partido de Bush. Mesmo alguns dos críticos de Junior, como o senador John Mc- Cain, não conseguem se distanciar do fiasco no Iraque e de suas trágicas conseqüências. Se a palavra “mudança” soa falsa nos lábios dos democratas, parece uma piada quando pronunciada pelos republicanos. Sem alternativas políticas reais a oferecer ao partido e ao país, alguns de seus pré-candidatos tendem a radicalizar a plataforma religiosa, tentando captar as simpatias dos evangélicos fundamentalistas, como é o caso de Mike Huckabee (ex-governador de Arkansas): questões como o direito ao aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo ganham relevância sobre todas as outras. Nem sinal de mudanças, a não ser pela “novidade” representada por Obama – mais de aparência do que de substância–, o quadro eleitoral dos Estados Unidos constitui uma monótona mediocridade. Mediocridade perigosa, numa situação mundial seriamente ameaçada por crescentes tensões regionais – especialmente no Oriente Médio –, pelo desastre ambiental e por sinais de tormentas econômicas no horizonte. Não há nenhum sinal de grandes “mudanças”, como promete Obama. E talvez esteja aí o dado mais importante: quando a opinião pública estadunidense se convencer de que terá mais do mesmo, é possível que a luta de classes se faça novamente visível nos Estados Unidos.
José Arbex Jr.

domingo, fevereiro 10, 2008

Contradições da economia brasileira

No ano passado o País ganhou 60 mil novos milionários. Isso é bom. Significa que a coisa está dando certo para milhares de pessoas. Significa que mais gente tem demonstrado competência para trabalhar para o capital, capitalistas que são dele funcionários, que o fazem multiplicar-se. Milionário, conforme me explicaram, é quem tem mais de um milhão de dólares investido, isto é, dinheiro que ganha dinheiro sem trabalhar, mas que precisa de quem trabalhe para ele. No ano de 2007, o número de milionários no Brasil pulou de 130 mil para 190 mil, 46,1% em um ano, segundo a Folha de S. Paulo, 0,1% dos brasileiros. Mas, se isso é bom, também pode ser ruim, pois não está claro como tantos puderam se tornar milionários de modo tão fácil, sobretudo sendo jovens, quando muitíssimos mal conseguem o pão nosso de cada dia.
Outra notícia foi a de que 20 milhões de brasileiros pularam das classes D/E para a classe C, passando da categoria de miseráveis para a de pobres. Isso parece bom. Um especialista demonstrou que bastaria conceder R$ 10 a cada miserável por mês para que não houvesse mais miseráveis no Brasil. Em dinheiro, é muito pouco, mal dá para o feijão dos 30 dias. Mas promoveria um salto nas estatísticas sociais, ainda que ilusório, um pulo do nada para nada e pouco.
A mobilidade desses 20 milhões de brasileiros resulta da combinação de crescimento econômico com assistencialismo sem desenvolvimento, especialmente o Bolsa-Família. Isso, então, é ruim: alivia a miséria do momento, mas não assegura um destino de efetiva inserção nos benefícios da economia. O dia-a-dia melhora um pouco, mas a vida continua sem perspectiva.
Em 2007, foram criados 1,6 milhão de empregos com carteira assinada, número 31% maior do que no ano interior. Isso é bom, porque representa relação de trabalho menos precária, mais segurança para quem trabalha. Mas o padrão salarial ficou pior do que nos anos oitenta, quando já era baixo em relação aos anos sessenta. Isso, pois, é muito ruim porque confirma que, pela segurança do emprego estável, as pessoas estão se conformando com salários menores e vida pior.
O resumo da novela é este: o país se torna cada vez mais rico e, ao mesmo tempo, cada vez mais pobre. Quanto mais o governo fala no social, mais prospera o privado; quanto mais fala no trabalho, mais cresce o capital. Isso é o que se chama de contradição social, a contradição constitutiva do tipo de sociedade que temos. Política é a competência para resolvê-la e superá-la. Quando não há competência política, não há futuro. Há apenas programas sociais, que de conjunturais se tornam permanentes. Um purgatório que disfarça o inferno da pobreza que renasce a cada passo, que muda de nome, mas não muda a vida.

José de Souza Martins é professor de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP.
Este texto foi originalmente publicado em O São Paulo (semanário da Arquidiocese de São Paulo), ano 52, n. 2.683, 7 fev. 2008.

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