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René Queiroz

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sábado, outubro 29, 2011

A depravação da América

Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos Estados Unidos. Ela foi usada como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e na América, pelos sociólogos, mas a ética protestante e o capitalismo são incompatíveis, e o capitalismo, em última análise, faz com que a ética protestante seja abandonada.

Há um novo ethos que emergiu, e as elites governamentais não o entendem. Trata-se do etos da “grande oportunidade”, do “prêmio”, da “próxima grande ideia”. A marcha lenta e deliberada em direção ao sucesso é hoje uma condenação do destino. Junto à próxima grande ideia comercial está o novo modelo do "sonho americano". Tudo o que importa é o dinheiro. Dada essa atitude, poucos na América expressam preocupações morais. A riqueza é só o que se tem em vista; vale inclusive nos destruir para alcançá-la. E se não chegamos lá ainda, certamente em breve chegaremos. 

Eu suspeito que a maior parte das pessoas gostaria de acreditar que sociedades, não importa as bases de suas origens, tornam-se melhores com o tempo. Infelizmente a história desmente essa noção; frequentemente as sociedades se tornam piores com o tempo. Os Estados Unidos da América não é exceção. O país não foi benigno em sua origem e agora declina, tornando-se uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história.

Embora seja impossível encontrar números que provem que a moralidade na América declinou, evidências cotidianas estão onde quer que se veja. Quase todo mundo pode citar situações nas quais o bem estar das pessoas foi sacrificado pelo bem das instituições públicas ou privadas, mas parece impossível citar um só exemplo de instituição pública ou privada que tenha sido sacrificada em nome do povo. 

Se a moralidade tem a ver com o modo como as pessoas são tratadas, pode-se perguntar legitimamente onde a moralidade desempenha um papel no que está se passando nos EUA? A resposta parece ser: “Em lugar nenhum!” Então, o que tem aconteceu nos EUA para se ter a atual epidemia de afirmações de que a moralidade na América colapsou? 

Bem, a cultura mudou drasticamente nos últimos cinquenta anos. Foi isso o que aconteceu. Houve um tempo em que a "América", o "caráter americano", era definido em termos do que se chamava de Ética Protestante. O sociólogo Max Weber atribuiu o sucesso do capitalismo a isso. Infelizmente, Max foi negligente; ele estava errado, completamente errado. O capitalismo e a ética protestante são inconsistentes entre si. Nenhum dos dois pode ser responsável pelo outro.

A ética protestante (ou puritana) está baseada na noção de que o trabalho duro e a ascese são duas consequências importantes para ser eleito pela graça da cristandade. Se uma pessoa trabalha duro e é frugal, ele ou ela é considerado como digno de ser salvo. Esses atributos benéficos, acreditava-se, fizeram dos estadunidenses o povo mais trabalhador do que os de quaisquer outras sociedades (mesmo que as sociedades protestantes europeias fossem consideradas parecidas e as católicas do sul da Europa fossem consideradas preguiçosas). 

Alguns de nós afirmam agora que estamos testemunhando o declínio e a queda da ética protestante nas sociedades ocidentais. Como a ética protestante tem uma raiz religiosa, o declínio é frequentemente atribuído a um crescimento do secularismo. Mas isto seria mais facilmente verificável na Europa do que na América, onde o fundamentalismo protestante ainda tem muitos seguidores. Então deve haver alguma outra explicação para o declínio. Mesmo que o crescimento do secularismo tenha levado muita gente a dizer que ele destruiu os valores religiosos juntamente aos valores morais que a religião ensina, há uma outra explicação.

No século XVII, a economia colonial da América era agrária. Trabalho duro e ascese combinam perfeitamente com essa economia. Mas a América não é mais agrária. A economia dos EUA hoje é definida como capitalismo industrial. Economias agrárias raramente produzem mais do que é consumido, mas economias industriais o fazem diariamente. Assim, para se manter a economia industrial funcionando, o consumo deve não apenas ser contínuo, como continuamente crescente.

Eu duvido que haja um leitor que não tenha escutado que 70% da economia dos EUA resulta do consumo. Mas 70% de um é 0,7, ou de dois é 1,4, de três, 2,1, etc. À medida que economia cresce de um a dois pontos do PIB, o consumo deve crescer de 0,7 para 1,4 pontos. Mas o aumento crescente do consumo não é compatível com a ascese. Uma economia industrial requer gente para gastar e gastar, enquanto a ascese requer gente para economizar e economizar. A economia americana destruiu a ética protestante e as perspectivas religiosas nas quais foi fundada. O consumo conspícuo substituiu o trabalho duro e a poupança.

No seu A Riqueza das Nações, Adam Smith afirma que o capitalismo beneficia a todos, desde que cada um aja em benefício dos outros. Agora estão nos dizendo que “economizar mais e cortar gastos pode ser um bom plano para lidar com a recessão. Mas se todo mundo proceder assim isso só vai tornar as coisas piores....aquilo de que a economia mais precisa é de consumidores gastando livremente”. A grande recessão atingiu Adam Smith na sua cabeça, mas o economista admitiria isso. “Um ambiente em que todos e cada um quer economizar não pode levar ao crescimento. A produção necessita ser vendida e para isso você precisa de consumidores”.

Poupar é (presumivelmente) bom para indivíduos, mas ruim para a economia, a qual requer gasto contínuo crescente. Se um economista tivesse dito isso na minha frente, eu teria lhe dito que isso significa claramente que há algo fundamentalmente errado com a natureza da economia, que isso significa que a economia não existe para prover as necessidades das pessoas, mas que as pessoas existem apenas para satisfazer as necessidades da economia. Embora não pareça isso, uma economia assim escraviza o povo a quem diz servir. Então, de fato, o capitalismo industrial perpetrou a escravidão; ele tem reescravizado aqueles que um dia emancipou.

Quando o consumo substituiu a poupança na psique americana, o resto de moralidade afundou junto na depravação. A necessidade de vender requer marketing, o que nada mais é que a mentira das mentiras. Afinal de contas, toda empresa é fundada no que disse o livro de Edward L. Bernays, de 1928: Propaganda. A cultura americana tem sido inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. Ninguém pode se isolar disso. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. Ninguém pode ter certeza de estarem lhe contando a verdade a respeito de alguém. Nenhum código moral pode sobreviver numa cultura de desonestidade, e de resto, ninguém pode!

Tendo subvertido a ética protestante, a economia destruiu toda ética que a América um dia promoveu. O país tornou-se uma sociedade sem um etos, uma sociedade sem propósito humano. Os americanos se tornaram cordeiros sacrificáveis para o bem das máquinas. Então, um novo etos emergiu do caos, um etos que a elite governamental desconhece completamente.

Diz-se frequentemente que Washington perdeu o contato com as pessoas que governa, que não entende mais seu próprio povo ou como sua cultura comum funciona. Washington e a elite do país não entendem isso, mas a cultura não valoriza mais o certo sobre o errado ou o trabalho duro e a ascese sobre a preguiça e a extravagância. Hoje os americanos estão buscando a “grande oportunidade”, o “prêmio”, a “próxima grande ideia”. O Sonho Americano foi hoje reduzido ao “acertar em cheio!”. A longa e deliberada estrada para o sucesso é uma condenação. Vejam American Idol, The X-Factor e America’s Got Talent e testemunhe a horda que se apresenta para os auditórios. Essas pessoas, em sua maior parte, não trabalharam duro em nada na vida. Contem o número de pessoas que regularmente apostam na loteria. Esse tipo de aposta não requer trabalho algum. Tudo o que essas pessoas querem é acertar em cheio. E quem é nosso homem de negócios mais exaltado? O empreendedor!

Empreendedores são, na sua maior parte, fogo de palha, mesmo que haja exceções notáveis. O problema com o empreendedorismo, no entanto, é a alta conta em que passou a ser tomado. Mas o único valor ligado a ele é a quantidade de dinheiro que os empreendedores têm feito. Raramente ouvimos alguma coisa a respeito do modo nefasto como esse dinheiro foi feito. Bill Gates e Mark Zuckerberg, por exemplo, dificilmente representam imagens de pessoas com moralidade exemplar, mas na economia sem escrúpulos morais, ninguém se importa; tudo o que importa é o dinheiro. 

Dada essa atitude, por que alguém, nessa sociedade, expressaria preocupações morais? Poucos na América o fazem. Assim, enquanto a elite americana fala na necessidade de produzir força de trabalho sustentável para as necessidades de sua indústria, as pessoas não querem nada disso. 

A elite frequentemente lastima a falência do sistema educacional americano e tem tentado melhorá-lo sem sucesso, por várias décadas. Mas se alguém presta atenção no atual estado de coisas na América, vê que a maior parte dos empreendedores de sucesso são pessoas que abandonaram faculdades. Como se pode convencer a juventude de que a educação universitária é um empreendimento que vale a pena? Assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg mostraram, aprender a desenhar um software não requer graduação universitária. Nem ganhar na loteria ou vencer o American Idol. Fazer parte da Liga Nacional de Futebol pode requerer algum tempo na universidade, mas não a graduação. Todo o empreendedorismo requer uma nova ideia mercantil. 

Entretenimento e esportes, loterias e programas de jogos e disputas, produtos de consumo de que as pessoas não tiveram necessidade por milhões de anos são agora as coisas que formam a cultura americana. Mas não são coisas, são lixo; não podem formar a base de uma sociedade humana estável e próspera. Esta é uma cultura governada meramente por um atributo: a riqueza, bem ou mal havida!

A capacidade humana de autoengano é sem limites. Os estadunidenses vêm se enganando com a crença de que a riqueza agregada, a soma total de riquezas, em vez de como ela é distribuída, dá certo. Não importa como foi obtida ou o que foi feito para se obter tal riqueza. A riqueza agregada é a única coisa que se tem em vista; é algo pelo que vale à pena destruir a nós mesmos. E mesmo que não o tenhamos alcançado ainda, em breve certamente o conseguiremos. 

A história descreve muitas nações que se tornaram depravadas. Nenhuma delas jamais se reformou. Nenhum garoto bonito pode ser convocado para desfazer a catástrofe do Toque de Midas. O dinheiro, afinal de contas, não é uma coisa de que os humanos precisem para sobreviver, e se o dinheiro não é usado para produzir e distribuir as coisas necessárias, a sobrevivência humana é impossível, não importa o quanto de riqueza seja agregada ou acumulada. 
John Kozy - Global Research

(*) John Kozy é professor aposentado de filosofia e lógica que escreve sobre assuntos econômicos, sociais e políticos. Depois de ter servido na Guerra da Coréia, passou 20 anos como professor universitário e outros 20 trabalhando como escritor. Publicou um livro de lógica formal, artigo acadêmicos. Sua página pessoal é http://www.jkozy.com onde pode ser contatado.

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, outubro 03, 2011

Parece que ele está certo!

Lobão:  Cantor, compositor, músico, escritor e apresentador de televisão. Foi baterista do Luis Melodia, da Marina Lima, fundou a Blitz e inventou a expressão “cicatriz no cerebelo”. Entre otras cositas más.
“MPB, essa sigla já é uma merda. Ela é carregada de tantos estigmas. Porque é um mistério. O que é MPB? Quem pode ser enquadrado em MPB? Porque surgiu como uma sigla nos anos 60 como música uni­versitária de protesto, e acabou se tornando uma sigla que abarcou conceitualmente, mas não geograficamente, a música brasileira. É muito elitista. Eles procuram uma genealogia, ‘quem vai ser o novo’... Eu acho isso um fascismo.Tem um outro Noel Rosa? Pra que num novo Noel Rosa? Tem um novo Jimi Hendrix? Não tem. Um novo Bob Dylan? Claro que não. Pô, você acha que vai ter um novo Lobão? Não vai ter. É uma idiotice. Agora, eu fico meio grilado com a inteligência brasileira porque ela não permite que as pessoas legais mesmo sejam se­quer questionadas. Por exemplo, essa nova MPB. Pô, tem o Cascadura, tem os Vespas Mandarinas, o Turbo Trio, tem uma porrada de coisa que não tá inserida nisso que eu considero que é importante. Principalmente numa situação em que o artista hoje em dia tem que fazer tantas concessões pra existir que ele não vai ser nada. A tendência é que ele não vai ser nada. Mesmo tendo a maior coragem do mundo, o cara não tem condição de florescer hoje. Eu vejo isso por pessoas sensacionais que eu mesmo quis lançar e que eu sinto que são condena­das. Uma cara talentoso de vinte anos está condenado no Brasil, condenado a não ser nada.
O Cachorro Grande, por exemplo, eu adoro eles. São meus amigos. É o melhor show de rock ‘n’ roll do Brasil. E é muito triste dizer isso, mas eles tão conde­nados também. A carreira deles na indústria fonográfica parece ser downgrade, e não por culpa deles, porque eles são bons pra caralho, mas porque neguinho não sabe ouvir esses caras.
Quando você tem uma audiência que está despencando no seu nível de qualidade auditiva, não vai ter ninguém bom lá na frente. Porque aquilo vai representar o que é a audiência, e a audiência é uma merda. O Brasil é um arraial agrobrega. Nunca foi tão ruim como é agora. Então pra quem tem um pouco de honestidade e um pouco de talento, a pior coisa é estar no Brasil atualmente.Você tem que ser puto, inofensivo e cínico. E sem talento, ainda por cima. O Brasil é uma monotonia. Ou você tem o agrobrega ou você tem a Ivete Sangalo. Nada mais existe. E isso é muito aterrador. Esse Restart, o Cine, isso sempre existiu. Não é rock, é boy band. É uma coisa fabricada pra um público que ainda não menstruou. Agora, o Luan Santana é mais grave, porque vem aquela coisa da tarja ‘universitária’. Você pensa só, com o nível de educação péssimo, com todos os ENEMs sendo reprovados, e você tem o ‘forró universitário’, o ‘sertanejo universitário’, e tudo da pior qualidade. As pessoas não entenderam que esse é um sintoma muito sério, cara, de alguma coisa que está muito errada. A gente está num país que tá morto, cara. A nossa cultura tá morta.
Você deve ter percebido nos últimos anos esse ufanismo MPB, essa divas da MPB, mas não teve um artista que vingou. Não teve um artista que virou um Chico Buarque. Porque não tem. Porque o Chico Buarque já era ruim, e as pessoas não entendem que o Chico Buarque era deficiente, ele pensa errado, ele escreve mal. Ele é uma merda. E as pessoas acham ele um gênio. A mesma coisa você aplica ao Caetano e ao Chico, que tem momentos um pouco melhores, muito poucos, mas eu não entendo como as pessoas achar que aquilo é o nosso orgulho, a nossa cara, a nossa representatividade. A gente só vai criar vergonha na cara quando se olhar no espelho e ‘ih, que merda’. Aí, pode ser que a gente pare de aplaudir o pôr do sol, pare com a micareta, A gente não vai mudar nunca. A gente é fadado a ser um país de sombra, um país medíocre, dos subúrbios do terror.
As pessoas fazem uma sociedade classe C, e você acaba virando classe C. Eu fui pra Londres entre­vistar o Sting há cerca de um ano, tudo muito chique. Aí fui lá num restaurante e o cara gostou de mim, sentou e descobriu ‘ah, você é do Brasil? Peraí’. Levantou e foi lá botar uma música. Ivete Sangalo, cara...” 

revista NOIZE setembro 2011

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