pensante

René Queiroz

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marcado

sexta-feira, outubro 28, 2005

Welcome, mr. Bush

Bem-vindo a um país soberano chamado Brasil. Como o presidente Lula já demonstrou, não queremos a Alca e temos um governo solidário à Venezuela de Chávez e à Cuba de Fidel. Já fomos colônia de Portugal por 322 anos e sabemos o que é produzir riquezas em benefício de outros povos. Ainda hoje o povo brasileiro trabalha, e trabalha muito, para sustentar a dívida e(x)terna contraída por nossas elites sem que a população tenha sido consultada. Nossa carga tributária é uma das mais altas do mundo, 36% do PIB; nossa taxa de juros ultrapassa 19% ao ano; o nosso governo gasta com a amortização dos juros da dívida, todo ano, mais de 10 vezes o orçamento de que dispõe para novos investimentos. Oficialmente nosso superávit primário é de 4,25%. De fato, passa dos 5%, porque a equipe econômica de nosso governo acredita, religiosamente, que o deus mercado é capaz de operar o milagre do bem-estar da nação sem que haja mudanças de estruturas, como a reforma agrária. Só não digo que isso é problema nosso porque a nossa economia é controlada pelo FMI, no qual o senhor manda. E não conheço um só país que tenha saído da pobreza graças ao FMI. Venho pedir-lhe a paz. Há 2.800 anos, um hebreu chamado Isaías afirmou que só haverá paz como fruto da justiça. O senhor crê que ela resultará da imposição das armas. Ora, a guerra é o terrorismo dos ricos, assim como o terrorismo é a guerra dos pobres. Não bastou a derrota dos EUA no Vietnã? Ali morreram 1 milhão de pessoas, das quais 50 mil norte-americanos. Cedo ou tarde o seu país terá de deixar o Iraque sem nenhum orgulho, carregando o fardo de milhares de jovens norte-americanos (muitos deles de origem latina e negros) condenados à morte por acreditarem que é bom para o mundo o que é bom para os EUA. Seu país possui apenas 6% da população mundial. No entanto, controla 50% da riqueza do planeta. Jamais exigiu democracia na Arábia Saudita, onde se situam as maiores reservas de petróleo do mundo, porque o governo autocrático daquele país é dócil à política de Tio Sam, embora dali tenham saído Bin Laden e os terroristas que puseram abaixo as torres gêmeas. Ano passado foram gastos em armamentos, em todo o mundo, cerca de US$ 900 bilhões. Os EUA desembolsaram quase a metade, US$ 390 bilhões. E pensar que se necessitam apenas US$ 50 bilhões, até 2015, para erradicar a fome do mundo! Por que será que a morte merece mais dinheiro do que a vida? Não haverá algo muito errado nessa lógica? Por que o capitalismo coloca a propriedade privada acima de vidas humanas e do bem coletivo? Por que morrem de fome 5 milhões de crianças, com menos de 5 anos de idade, por ano, sem que as nações ricas destinem mais de 10% dos gastos bélicos em cooperação internacional? O senhor deve saber que 86 milhões pessoas morreram vítimas da guerra desde 1940. As duas bombas atômicas que o seu país lançou sobre as populações inocentes de Hiroshima e Nagasaki ceifaram cerca de 100 mil vidas e deixaram um lastro de câncer, até hoje, nos descendentes das vítimas. Quase todas jovens. Cerca de 2 mil soldados dos EUA foram mortos no Iraque nessa guerra insana reiniciada em 2003. Seu pai invadiu aquele país em 1991 e o resultado envergonhou tanto a sua nação que o senhor se sentiu na obrigação de repetir o gesto, na esperança de derrubar Saddam Hussein, o que conseguiu, e a resistência dos iraquianos, que até agora desafia o potencial bélico de seu país. Entre a população civil, aproximadamente 130 mil iraquianos foram mortos em conseqüência de ataques das tropas dos EUA em 1991. Saddam, graças às armas, inclusive químicas, fornecidas pelos Estados Unidos, sobretudo na época da guerra contra o Irã, matou cerca de 200 mil iraquianos. Estive há pouco em seu país. Em Utah, muitos me perguntaram qual impressão tenho dos EUA. Respondi que a diferença entre o seu povo e o meu é que o seu está convencido de que não há felicidade sem dinheiro. E o meu é feliz sem dinheiro. Bastam-nos os cinco efes: feijão, farinha, fé, futebol e festa. Essa busca desenfreada de riqueza é que impede o povo dos EUA de se sentir solidário aos pobres do mundo. Vimos todos o que ocorreu aos negros e pobres de Nova Orleans na catástrofe causada pelo furacão Katrina. Ficaram ao desabrigo, até que o senhor reagiu quando percebeu que, aos olhos do mundo, o rei estava nu. E para completar, um de seus assessores teve o descaramento de propor, como medida para reduzir a pobreza nos EUA, o aborto às mulheres negras... Presidente Bush, welcome à nação do futuro. Queremos ser amigos fraternos do povo dos EUA, sem que a CIA volte a ameaçar a nossa democracia, como em 1964 ajudou a implantar uma ditadura militar que durou 21 anos, e que se alcance reciprocidade nas relações comerciais, com pleno respeito à nossa soberania.
Frei Betto

quarta-feira, outubro 26, 2005


Em Arte, é vivo tudo o que é original.
É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima de uma personalidade artística. A primeira condição de uma obra viva é ter uma personalidade . O que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos demais, (artistas ou não)
Uma certa sinonímia nasce entre o adjetivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjetivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro...
Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa.
Eis como também pertence à arte morta aquele em que o autor pretende ser original sem personalidade própria.
A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas - mas só quando naturais a um dado temperamento artístico.
Sobre outras qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto.

Happy

Well I never kept a dollar past sunset,
It always burned a hole in my pants.
Never made a school mama happy,
Never blew a second chance, oh no
I need a love to keep me happy

Always took candy from strangers,
Didn't wanna get me no trade.
Never want to be like papa,
Working for the boss ev'ry night and day.
I need a love to keep me happy,

Never got a flash out of cocktails,
When I got some flesh off the bone.
Never got a lift out of Citation-Jet,
When I can fly way back my brain.
I need a love to keep me happy

terça-feira, outubro 25, 2005

A desumanização da arte

"A metáfora é provavelmente a potência mais fértil que o homem possui.
Sua eficiência chega a tocar os confins da dramaturgia e parece um instrumento de criação que Deus deixou esquecido dentro de uma de suas criaturas na hora de fazê-la, como o cirurgião distraído que deixa um instrumento no ventre do operado.
Todas as outras potências nos mantêm inscritos dentro do real, do que já é.
O mais que podemos fazer é somar ou subtrair umas coisas de outras.
Só a metáfora nos facilita a evasão e cria entre as coisas reais recifes imaginários, florescimento de ilhas sutis.”
José Ortega y Gasset

domingo, outubro 23, 2005

Por que ANULEI o meu voto...

O SIM é para quem é contra, o NÃO é para quem é a favor.
E a opção NULO? E se eu não concordar nem com uma coisa, nem com outra? Evidentemente sou a favor da paz e acho absurdo pessoas que não sabem atirar (a maioria não sabe) andarem armadas.
Mas acho que tem gente que pensa que armas podem dar proteção e devem ter o direito a comprar uma de forma legal.
Não acredito muito que decisões tão radicais funcionem no Brasil.

Com o NÃO ganhando o referendo, "o comércio de armas de fogo e munição continuará permitido no Brasil e submetido às mesmas restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento aprovado pelo Congresso há quase dois anos.

Ou seja:

* ser maior de 25 anos de idade;

* declarar efetiva necessidade;

* comprovar idoneidade;

* não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal;

* apresentar documentos que provem ocupação lícita e residência fixa, além de demonstrar capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio da arma.

Apenas após a apresentação de todos esses requisitos e o pagamento de uma taxa de R$ 1.000, o interessado em comprar uma arma de fogo receberá da Polícia Federal uma autorização para a compra.

Nesse caso, a arma só poderá ser mantida em casa ou no trabalho. Mesmo quem preencher todos os requisitos acima não poderá circular com ela pelas ruas.

O porte de armas continuará proibido no Brasil. A pena para quem é flagrado portando arma pode chegar a seis anos de prisão. O crime é inafiançável nos casos em que o cidadão não tenha registro da arma.

Outro ponto da lei que independe do referendo: mesmo quem hoje tem – e continuará a ter – direito ao porte de arma poderá perdê-lo a qualquer momento.

Além de ter prazo de validade específico, ele poderá ser cassado se o portador for abordado com sua arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas ou alucinógenos."

quarta-feira, outubro 19, 2005

O que é a metafísica?

É costume dizer-se que cada um tem a sua filosofia e até que todos os homens têm opiniões metafísicas. Nada poderia ser mais tolo. É verdade que todos os homens têm opiniões, e que algumas delas — tais como as opiniões sobre religião, moral e o sentido da vida — confinam com a filosofia e a metafísica, mas raros são os homens que possuem qualquer concepção de filosofia e ainda menos os que têm qualquer noção de metafísica.
William James definiu algures a metafísica como "apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza". Não são muitas as pessoas que assim pensam, excepto quando os seus interesses práticos estão envolvidos. Não têm necessidade de assim pensar e, daí, não sentem qualquer propensão para o fazer. Exceptuando algumas raras almas meditativas, os homens percorrem a vida aceitando como axiomas, simplesmente, aquelas questões da existência, propósito e sentido que aos metafísicos parecem sumamente intrigantes. O que sobretudo exige a atenção de todas as criaturas, e de todos os homens, é a necessidade de sobreviver e, uma vez isso razoavelmente assegurado, a necessidade de existir com toda a segurança possível. Todo o pensamento começa aí, e a sua maior parte cessa aí. Sentimo-nos mais à vontade para pensar como fazer isto ou aquilo. Por isso a engenharia, a política e a indústria são muito naturais aos homens. Mas a metafísica não se interessa, de modo algum, pelos "comos" da vida mas antes apenas pelos "porquês", pelas questões que é perfeitamente fácil jamais formular durante uma vida inteira.
Pensar metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido em que são fundamentais e muita coisa depende deles. A religião, por exemplo, não é metafísica; e, entretanto, se a teoria metafísica do materialismo fosse verdadeira, e assim fosse um facto que os homens não têm alma, então grande parte da religião soçobraria diante desse facto. Também a filosofia moral não é metafísica e, contudo, se as teorias metafísicas do determinismo ou do fatalismo fossem verdadeiras, então muitos dos nossos pressupostos tradicionais seriam refutados por essas verdades. Similarmente, a lógica não é metafísica e, contudo, se se apurasse que, em virtude da natureza do tempo, algumas asserções não são verdadeiras nem falsas, isso acarretaria sérias implicações para a lógica tradicional.

domingo, outubro 16, 2005

A Tatuagem

(In memorian de Nelson Rodrigues)

Na avenida Ipiranga, centro de São Paulo, o chinês de meia idade olhou curioso o ideograma tatuado na altura do ombro direito da mocinha que esperava na calçada a luz verde do semáforo. Não se conteve e perguntou:

- Onde você fez?

- Lá no bairro da Liberdade.

- E por que logo isso?

- Porque quer dizer Esperança. Gosto da palavra.

- O que está escrito aí é "camarão ao molho agridoce".

quinta-feira, outubro 13, 2005

Dá para acreditar ? Outra vez, tudo de novo...

Militares lançam alerta contra ´acordos espúrios´
Na segunda carta contra a crise, oficiais-generais exigem punição dos culpados e identificação dos recursos
Indignados com a 'corrupção sem precedentes' no País e preocupados com a possibilidade de ser realizados 'acordos espúrios' para promover uma 'operação abafa' e impedir a punição dos culpados e revelar a origem do 'dinheiro espúrio', os presidentes dos Clubes Militar, Naval e da Aeronáutica decidiram publicar nota conjunta exigindo a apuração das denúncias de corrupção e a punição dos culpados.'
Confiamos que nós, militares, e os demais brasileiros, ordeiros, sérios, trabalhadores, corajosos, democratas e patriotas, saberemos impedir manobras que visem à desestabilização institucional do País, em proveito de posições políticas extremistas e sectárias, de quem quer que seja', advertiram os oficiais-generais.
O alerta, que será publicado na próxima edição das revistas dos clubes, apesar de ser assinado por militares da reserva, funciona como eco do que pensam aqueles que estão na ativa e não podem se manifestar.
Assinada pelo almirante José Júlio Pedrosa, pelo general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa e pelo brigadeiro Ivan Frota, a carta fala da 'perplexidade' dos militares, 'a mesma de todos os cidadãos brasileiros', por terem visto 'ser montado um gigantesco esquema de corrupção que tem como um dos principais objetivos - e isto é o mais grave - corromper membros do Congresso Nacional, para fazê-los aprovar proposições altamente discutíveis, em beneficio do partido do governo e de seu projeto de poder'.

Um texto que merece todo o meu respeito

Passeando pelos meus blogs preferidos, achei esta pérola, corram para ler esta maravilha...

http://liberallibertariolibertino.blogspot.com/2005/07/pessoas-que-acreditam-em-coisas.html

quarta-feira, outubro 12, 2005

Bispo Macedo ensina a "Captar Recursos"

O Blog do Mello conseguiu recuperar o vídeo perdido do bispo Macedo, onde ele ensina o que se deve fazer para "captar recursos".
Os filiados ao recém-fundado partido do bispo, PMR, incluindo neófitos, como o professor Mangabeira Unger e o vice-presidente da república, José Alencar, podem aproveitar assim a "aula de marketing" do bispo.
Para ver o vídeo é só clicar aqui.

A sabedoria de Hugo Chávez no Roda Viva

Argumentos tirados da lata do lixo...

A frase acima foi usada pelo presidente Hugo Chávez como parte de uma resposta dada a um jornalista de O Estado de São Paulo no programa Roda Viva da segunda-feira, 3 de outubro.
Não sei se o leitor teve a oportunidade de assistir ao programa. Fiquei sabendo quase em cima da hora, pois a “discrição” com que foi anunciado na mídia já demonstrava mais uma vez o preconceito contra a emblemática figura de Chávez. E lá fui eu, postar-me em frente ao televisor, na expectativa de assistir a um debate de alta qualidade intelectual e política, uma vez que o tradicional programa, em inúmeras de suas edições, já quase a alcançar o milhar, o comprovou em várias oportunidades.
O de segunda-feira, no entanto, deixou a desejar. Não pela figura do presidente venezuelano, sempre franco, educado, sabedor de que devia se ater aos problemas da América Latina e – em particular – aos problemas da sua nova Venezuela. A decepção ficou por conta da mediocridade (e em alguns casos má fé mesmo) com que alguns dos entrevistadores se comportaram. Salvo as exceções de Fernando Morais e Bob Fernandes, que procuraram levantar questões pertinentes à importância e ao momento histórico do entrevistado, os outros integrantes da roda se comportaram (tão em moda na imprensa brasileira atual) mais como inquisidores do que propriamente entrevistadores. Pior ainda: inquisidores mal preparados.
Nesse particular, o destaque fica para os três profissionais de três jornalões brasileiros, Folha, Estadão e Correio Brasiliense, que fizeram a ridícula figura de ventríloquos, como se estivessem ali a repetir uma pequena lista de perguntas feitas pelos donos dos jornais onde trabalham. Apequenaram (um pouco mais) o jornalismo brasileiro com perguntas ultrapassadas, viciadas em seus argumentos, baseadas em estatísticas ultrapassadas, desmentidas pelo próprio presidente Chávez, numa demonstração inequívoca de que não estavam preparados para o debate. As velhas e surradas questões da liberdade em Cuba, de Chávez querer a cubanização da Venezuela, esquecendo-se tais profissionais que Chávez conta com o apóio de mais de 70% da população da Venezuela, depois de enfrentar várias eleições e um golpe de Estado. Repetem-se como papagaios.
Após as primeiras perguntas feitas, Chávez percebeu quem estava ali para dialogar com alguma seriedade e quem estava ali para provocar. E com os provocadores não teve contemplação. Não deu muita atenção à “sisuda e inteligente” figura de Eliane Catanhêde, articulista da FSP, que parecia não saber muito bem o que estava fazendo ali, a ponto de cometer a indelicadeza (provocação intencional) de querer que o entrevistado comparasse o seu governo com o governo de Lula.
Quando inquirido pelo tal jornalista do Estadão sobre a eventual falta de democracia e liberdade de expressão e/ou de imprensa na Venezuela, Chávez – habilidosamente e sem perder a compostura – respondeu: “tenho pena de ver um jovem jornalista como o senhor ir buscar os seus argumentos na lata do lixo (da história), como faz boa parte da imprensa venezuelana”, demonstrando que não estava ali para responder a questões que a realidade latino-americana está dando por vencida, numa nova etapa de luta de seus povos em busca de uma alternativa ao neoliberalismo globalizante tão ao gosto de jornalistas que, para não perderem o emprego, continuam a lamber o saco de seus patrões.
Perguntado ao final do programa se acreditava em Deus, pergunta original e profunda, o presidente venezuelano respondeu que se considerava um verdadeiro cristão, pois Cristo foi o primeiro e grande socialista da História e Judas, o primeiro capitalista, que traiu seu mestre (ou povo) por 30 dinheiros. Será que a maioria dos jornalistas presentes entendeu o recado?
Izaías Almada

Sim, Não ou Nulo...

Sobre a “jornada cívica” do dia 23, primeiro é preciso conhecer a diferença entre plebiscito e referendo.
No plebiscito, consultam se queremos ou não instituir uma nova regra.
No referendo, apenas referendamos (ou não) uma norma polêmica já existente.
Lembre que o chamado Estatuto do Desarmamento já está em vigor; portanto, é importante dar uma lida na lei antes de enfrentar as filas do dia 23, porque ela regula muito mais do que nos faz crer a pergunta simples e cretina que teremos de responder nas urnas com um ingênuo sim ou não...

Não ao não! Não ao sim!

A consulta de 23 de outubro aborda questão de importância que angustia profundamente a sociedade brasileira, com destaque para seus setores mais desprotegidos. A população residente no Brasil vive permanentemente preocupada com a segurança individual, sua e de seus próximos, ameaçada pela violência que hoje assola crescentemente, apenas em forma desigual, o mundo urbano e rural.
Apesar da importância da questão, o plebiscito sobre a proibição do comércio civil de armas desvia a atenção da responsabilidade governamental, passada e presente, na degradação incessante da segurança individual, constituindo cínica e fria manipulação da opinião pública através da promoção da divisão da população em torno de duas alternativas incapazes de porem minimamente trava à violência que vive o país.
Não há relação mecânica entre armamento da população, violência e criminalidade. Faltam com a verdade aqueles que, como o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, sugerem ou propõem que as astronômicas “taxas de homicídios” brasileiras devem-se “ao enorme volume de armas em circulação no país”. [FSP, 9.10.2005] Nações de população hiper-armada, mas com elevados níveis de desenvolvimento social – como o Canadá –, possuem baixíssimas taxas de homicídios.

Cidadãos armados
Nos anos 1970, quando vivia no exílio, cruzando a Suíça, vi, estarrecido, pela janela do trem, fuzil-metralhadora e seu respectivo pente abandonados em banco de uma estação. Nada de extraordinário, me informaram: os jovens reservistas, que guardam as armas de guerra em casa, não raro as esquecem, após festejarem copiosamente o fim dos exercícios militares anuais. Da Suíça comentam-se os queijos, os chocolates e os bancos, não a criminalidade comum e a violência familiar armada.
Israel é um dos países mais armados do mundo, onde a cultura das armas e a violência permeiam incessantemente a vida quotidiana da população, sendo exercidas sistematicamente contra a população não-nacional. Porém, não temos notícias de israelenses utilizando, dia e noite, suas potentes armas pessoais para resolverem problemas com esposas, maridos e vizinhos de rua.
Não são as armas que determinaram que o Brasil tenha escandalosa taxa de homicídios. São a já histórica e contínua degradação das condições da vida, saúde, educação, cultura, lazer, trabalho e salário, exigida pela ditadura do grande capital internacional e nacional, sob o domínio esmagador dos valores consumistas, hedonistas e individualistas da sociedade de mercado. É a ordem social friamente impiedosa que aleita e embala a violência e a criminalidade crescentes. Contra isso, nem uma só palavra, nem uma só proposta governamental real.

A culpa é do revólver
É compreensível que governo que realiza cortes monstruosos nos investimentos sociais e promove a degradação dos salários e das condições de trabalho, culpe o revólver pelo mar de violência no qual submerge o país. A promoção e o apoio governamentais ao plebiscito devem-se à certeza da fácil vitória da proposta da proibição do comércio civil de armas, que lhe permitirá igualmente uma vitória política e, portanto, prosseguir mais facilmente em sua trajetória socialmente impiedosa e violenta.
As razões para votar sim seriam aparentemente muitas e boas. O sim interpretaria o sonho de mundo onde os homens são amigos dos homens e as armas um inevitável contra-sentido, já que destinadas por natureza à morte de seres vivos, devendo, portanto, serem abolidas e proibidas sem distinções. O sim permite também manter a distância do partido do gatilho, que reúne alguns dos personagens e instituições mais obscurantistas do Brasil – Jair Bolsonaro, UDR, Veja.
Em verdade, o plebiscito não prevê minimamente o desarmamento geral. Ao contrário, promove apenas o desarmamento do cidadão na plenitude de seus direitos. Permanecerão com suas armas as polícias civis e militares, fontes de diárias e incessantes violências contra a população desarmada, sobretudo trabalhadora. Violências para as quais os governos fecham os olhos e garantem a impunidade, após a abertura e realização do tradicional inquérito pertinente, é claro!

O monopólio do poder
Permanecerão na posse e no porte de suas armas as centenas de milhares de guardas e milicianos privados, à disposição daqueles capazes de pagarem pela proteção armada fornecida por indivíduos, ao igual que os policiais civis e militares, estressados pelas condições de trabalho e existência a que são submetidos. Manterão o direito de posse e porte individual de armas membros das forças armadas e das instituições judiciais que promovem quotidianamente desmandos públicos com as mesmas.
Seriam também abundantes as boas razões para votar não. O direito de armamento da população, sobretudo organizada em suas instituições civis, é forma de proteção dos direitos sociais e democráticos. O desarmamento da cidadania fortalecerá o monopólio das armas do Estado, em geral, e das forças armadas, em especial. Instituições que, através da história, usaram-nas mui raramente na defesa da cidadania e da nação e, habitualmente, contra a população pobre e os direitos civis e democráticos. No relativo ao exército, basta lembrar Canudos, Contestado, Estado Novo, 1961 e 1964. No relativo à polícia, basta abrir diariamente os jornais.
Em 11 de setembro de 1973, o exército chileno pode vergar a vontade da maioria da população pois mantinha o monopólio das armas, radicalizado por campanha em prol do desarmamento da população, promovida paradoxalmente pelo governo de Allende nos meses que antecederam o golpe. Por exigência do alto comando militar, é claro. Trabalhadores e democratas morreram no Chile resistindo, quase de mãos nuas, diante de exército tido, até então, como o mais democrático da América Latina. No Iraque, as tropas invasoras anglo-estadunidenses continuam pagando caro o direito de cada iraquiano de ter em casa uma arma automática, garantido durante o governo passado!

Chame o ladrão!
O não ao plebiscito apóia-se igualmente na consciência do popular de que a proibição efetiva de manter legalmente uma arma municiada em sua moradia o deixará, inevitavelmente, ainda mais desprotegido diante de uma agressão. Em forma indiscutível, a quase certeza da inexistência de uma arma em uma moradia favorece a sua invasão, por quem quer que seja.
Após o plebiscito, indivíduos não raro quase destinados à violência devido às condições de nascimento e criação, que encontram no crime meio de vida e de realização, continuarão sendo encarcerados como animais, por falta de recursos, para, a seguir, serem postos em liberdade, também por falta de recursos, para irem bater à porta de morador sem qualquer possibilidade de pedir e receber prontamente a proteção pública a que tem constitucionalmente direito. Pois, folga dizer que não há igualmente recursos para segurança corretiva.
Anular o voto no dia 23 de outubro é pronunciar-se contra as falsas alternativas propostas pela cínica demagogia governamental, e dar, assim, passo, ainda que mínimo, em direção do armamento moral e político da população trabalhadora e democrática, na luta pela construção, difícil mas imprescindível, de sociedade fraterna, onde a paz, a segurança e a realização sejam direitos de todos, e não apenas das classes endinheiradas.
Mário Maestri, 57, é historiador.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Você votaria em Fernando Henrique?

O título vem a propósito de uma iniciativa da revista americana Foreign Policy e da britânica Prospect. Elas resolveram promover a quatro mãos um concurso inusitado para a escolha dos cinco intelectuais públicos mais influentes do mundo.
Intelectual público, como se sabe, é o cientista, pensador, artista ou criador de cultura que desce da torre de marfim para se engajar nos debates sobre as questões de interesse geral do seu tempo. Ou seja, aparece na mídia e faz política, em qualquer sentido da palavra.
Da lista de 100 nomes selecionados pelas revistas, o leitor deve indicar cinco – ou, se quiser, pode ignorar a lista e votar em outros "intelectuais engajados", como se dizia nos velhos tempos.
Da relação, os mais conhecidos dos brasileiros decerto são o linguista americano Noam Chomsky, o teólogo alemão Joseph Ratzinger (papa Benedito XVI), o escritor italiano Umberto Eco, o historiador britânico Eric Hobsbawn, o colunista americano Paul Krugman, a autora americana Camille Paglia e o novelista indiano-britânico Salman Rushdie.
Apenas quatro latino-americanos estão entre os 100: o historiador mexicano Enrique Krause, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, o economista seu conterrâneo Hernando de Soto – e o sociólogo e ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Os argentinos devem estar uma fera.
A lista completa e a urna digital estão na página da internet http://www.foreignpolicy.com/story/cms.php?story_id=3249

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs/verbosolto.asp

sábado, outubro 08, 2005

PETISMO, IDEOLOGIA E PODER

Esgotou-se, com a entrada de outubro, o prazo legal para o troca-troca partidário. A movimentação dos interessados aconteceu, mas algo estranho sucedeu-se. O esperado encolhimento do PT ficou muito aquém das expectativas projetadas por comentaristas da imprensa e setores da oposição.De onde nasceu essa expectativa de que o PT poderia perder cerca de vinte deputados federais e sofreria debandada equivalente em sua base social? Nasceu da avaliação, incorreta, de que os escândalos de corrupção envolvendo a cúpula palaciana e partidária do PT seriam suficientes para liquidar de vez com a viabilidade eleitoral da candidatura de Lula à reeleição, e para, nas palavras do senador Bornhausen, livrar o país da “raça petista” por cerca de trinta anos.É bem verdade que as investigações das CPIs, embora em adiantado estado de degeneração, ainda não se esgotaram e sempre podem trazer novas revelações. A hipótese do impeachment de Lula, embora engavetada pela oposição, também não foi sepultada com gostariam alguns. Além disso, o verdadeiro impacto dessa crise sobre a força política do petismo junto à opinião pública somente poderá ser devidamente avaliado após a abertura das urnas de 2006. Mas, é inegável que a capacidade de resistência do PT revelou-se impressionante.Segundo as pesquisas mais recentes, Lula preservaria cerca de 35% das manifestações de preferência dos eleitores nas projeções para 2006. Mesmo sob as circunstâncias adversas em que se encontra, o PT – sob crise financeira (?) e fogo cerrado da mídia – mobilizou mais de 300 mil filiados em todo o país para a eleição direta de sua nova cúpula dirigente e, a serem corretas as avaliações correntes, deve eleger Ricardo Berzoini para comandar a legenda por mais um período. Ou seja, ainda que tenha perdido poder para sua ala esquerda, o grupo de Lula e José Dirceu estaria preservando seu controle sobre a mais poderosa máquina partidária existente no país. Mais do que isso, o petismo teria apenas “queimado gordura” (recuperável na disputa) junto à opinião pública e, não só não teria sido atingido “no osso”, como, se comparado o desempenho de Lula nas pesquisas hoje com seus resultados em primeiro turno em eleições anteriores, o PT estaria mais forte junto a seu eleitorado fiel, do que estava no primeiro turno de 1998.Lula fez quase 15% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial de 1989; 27% no primeiro turno da eleição de 1994 e 31,7% no primeiro turno da eleição de 1998. Em 2002 Lula rompeu a barreira dos 30% penetrando num eleitorado que antes votava em outros partidos. Hoje, Lula perdeu essa gordura, mas, se considerarmos que índices de pesquisas não se equivalem a resultados eleitorais - pois não excluem do total aferido os votos brancos e nulos - veremos que, se a eleição presidencial de 2006 fosse hoje, o petista teria, no primeiro turno, desempenho melhor do que teve no primeiro turno de 1998.Dois aspectos merecem atenção quando se trata avaliar as razões pelas quais não teria se confirmado a debandada geral da ala esquerda do PT em direção ao PSOL. Em primeiro lugar, está o cálculo de perdas e ganhos. Os parlamentares da esquerda petista são radicais por conveniência, mas não rasgam dinheiro. O quorum da eleição interna do PT e os índices de Lula nas pesquisas pesaram fortemente nos cálculos dessa gente. A maioria deles percebeu que a teta petista ainda tem muito leite para dar e que será mais fácil tentar a reeleição pelo PT do que arriscar uma aventura no novo PSOL e perder a boquinha do mandato legislativo, tendo que refazer desde o começo o árduo trabalho de construção partidária que os petistas tiveram que fazer ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado.Mas o aspecto mais importante a destacar aqui não é este. A informação relevante que emerge do alto índice de participação dos filiados no PT na sua eleição interna, e da preservação do excelente desempenho de Lula na pesquisas eleitorais de 2006, diz respeito à solidez dos vínculos do petismo com suas bases sociais.A maioria do eleitorado brasileiro é conservadora. Lula só se elegeu em 2002 porque moderou seu discurso e seu programa de governo e porque essa maioria conservadora do eleitorado estava decepcionada com as alternativas que lhe foram oferecidas fora do espaço da esquerda no menu ideológico. A novidade que deve servir de alerta aos adversários do PT, é que, a partir de 2002 esse eleitorado aceitou flertar com uma candidatura de esquerda. A ideologia de esquerda não é hegemônica na sociedade brasileira. Mas está solidamente enraizada junto à fatia de cerca de 35% do eleitorado que sustenta o desempenho de Lula nas pesquisas para 2006.Partindo de uma base de penetração em cerca de 35% do eleitorado de Porto Alegre, por exemplo, o PT governou a capital gaúcha por 16 anos seguidos, e, no poder, a partir de uma estratégia gramsciana, construiu a hegemonia da ideologia de esquerda junto à maioria da população da cidade. O PT só perdeu a eleição de 2004 em Porto Alegre porque estava desgastado pelo longo reinado, e porque errou ao abandonar seu discurso tradicional, inteligentemente apropriado por Fogaça.Nenhum partido brasileiro possui um capital político tão sólido como esse que o PT soube acumular ao longo de seus 25 anos de existência. Ao supor que o PT desmoronaria como um castelo de cartas após a revelação de suas entranhas corruptas, a oposição só revelou uma coisa: ainda não entendeu a natureza do fenômeno petista e trata o PT como se fosse apenas mais um partido qualquer no sistema partidário brasileiro. Subestimar o inimigo é o primeiro passo para a derrota.

terça-feira, outubro 04, 2005

A Única Realidade Social

A única realidade social é um indivíduo, por isso mesmo que ele é a única realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma simples ideia.
Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente.
Só por metáfora ou em linguagem translata se pode aludir ao pensamento ou ao sentimento de uma coletividade. Dizer que Portugal pensa, ou que a humanidade sente é tão razoável como dizer que Portugal se penteia ou que a humanidade se assoa.(...)
Sendo o indivíduo a única realidade social, é o egoísmo a única qualidade real, embora, por disfarces vários e artíficios diversos se construíssem, no decurso da evolução social (não digo do progresso, porque não sei - nem ninguém sabe - se existe progresso) sentimentos altruístas, afinamentos dos instintos.
Para que o indivíduo possa ter uma vida social que lhe seja um elemento de desenvolvimento, ou, em outras palavras, para que a sociedade seja um ambiente favorável ao desenvolvimento do indivíduo, é forçoso que se faça assentar essa sociedade num conceito egoísta.
Assim se formam naturalmente nações. A nação é o segundo elemento social primário. Os homens não se agrupam fraternitariamente senão por oposição.
Sempre nos unimos para nos opormos.
Isto é, aliás, um princípio lógico: definir é limitar.
Assim como o egoísmo e a vaidade são as qualidades determinantes da vida humana - pois o homem só deveras age para seu proveito ou para suplantar os outros, sendo a guerra a essência de toda a vida (o que já Heráclito havia dito) - assim o egoísmo e a vaidade são as qualidades determinantes dos egoísmos espontâneos chamados nações.
Fernando Pessoa, in 'Textos Filosóficos - 1915'

domingo, outubro 02, 2005

Se vai Helena Meirelles, parteira de si própria!



Aos ouvidos mais atentos, o som do nome Helena trás a memória a imagem do esplendor da Grécia antiga, o seu apogeu e sua união, que vieram a constituir a cultura “helênica”, do Pártenon e do período clássico nas artes. Mas, aos ouvidos mais sensíveis esse nome grego remonta a imagens de um Brasil profundo e esquecido, muitas vezes deturpado, e uma das partes mais ricas e fundantes de nossa nacionalidade. Trata-se do Brasil caipira e de uma de suas mais autênticas representantes, Helena Meirelles, rasqueadora de viola que nos deixa aos 81 anos de vida, vítima de insuficiência respiratória.
Como já dissera Milton Nascimento, o Brasil é muito mais que o litoral e que qualquer zona sul, e esse Brasil ainda é pouco compreendido pelos seus próprios filhos. Os brasileiros passaram a conhecer Helena Meirelles pelas palavras de uma revista americana. Talvez, se não fosse a ousadia de um menino tocador nunca a conhecêssemos. Representou a originalidade do nosso povo, que se inventa num processo criativo ímpar em todo o mundo. Espelhava a injustiça e ingratidão tão vastas quanto o sertão de seu próprio país.
Deixou 11 filhos, 6 netos 3 bisnetos e uma infinidade de órfãos amantes de sua música.
De nome que vem da Grécia, mas com alma e corpo que se fazem Brasil, Helena Meirelles floresceu em meio ao asfalto impávido do esquecimento de um país que se finda.
Mas era teimosa, e como ela mesmo dizia “eu sabia o tempo todo, que eu tinha uma rosa na mão e que essa rosa nunca ia murchar”!

A Moda do Fim do Mundo...

Cumpadi em Brasília, espaiaram um boato muito chato que o mundo vai se acabar
Vancê fique de oreia no rádio
Vancê fique de oio no jorná
Porque, vou te contar, no dia que o mundo se acabá
Nesse dia a gente tem que resolver
Que nós temo que esconder aquele galo bolinha
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Um macho pras galinha.
Cumpadi também temo que esconder
aquele touro garanhão, grandão e arruaceiro
Prá dispois no fim do mundo a gente ter
o bicho que sabe fazer bezerro.
Vancê fique de oreia no rádio...
Cumpadi pense bem no dia D
Que porva vai garrá fedê
E tudo nóis vira mingau
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Um casal do bicho que faz miau.
Cumpadi também temo que alembrar
E a sete chave nós guardá
O cachorro e a cachorra
Pra dispois do fim do mundo a gente ter
Que evitar que a raça morra
Vancê fique de oreia no rádio...
Cumpadi acabei de me alembrar, que o jegue irará
também temo que esconder
Pra dispois do fim do mundo a jega ter
um jegue pra lhe comer.
Cumpadi sabe que na afobação
a gente quase se esqueceu de guardar uma comadre
Pra dispois do fim do mundo a gente ter
Um pecadinho pra confessar com o padre

Tom Zé, Rolando Boldrin, Waldemar Zaniecki

sábado, outubro 01, 2005

A filósofa do Fantástico



A intelectual Viviane Mosé possui uma competência que vai da poesia à psicanálise, com o acréscimo de um doutorado, em filosofia. As informações pesquisadas dizem mais: que ela é autora de livros, atriz, carismática, e que possui muitos e influentes admiradores dos seus cursos particulares de filosofia. Para a filósofa, o sucesso se deve à razão de que "as pessoas gostam porque é uma filosofia que atua na vida, não no pensamento". Grande comunicadora, enfim. Por conta desses universais talentos, ela estaria mais que apta, quase com um fado escrito, para grandes vôos. E foi por assim estar que naturalmente pousou no programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão. Mais precisamente, no quadro "Ser ou não ser?", de todos os domingos.

"Aqui foi Tróia!", disse Dom Quixote, ao mirar o sítio onde caíram ele, Rocinante e armas numa só queda. O mesmo diria a filósofa do Fantástico, se refletir pudesse com serena sabedoria. Pois o que se proclama no site do quadro como um jeito novo de falar sobre filosofia, Viviane Mosé a mostrar para todos nós como o pensamento pode ser uma viagem fantástica! – pois é, aqui também foi Tróia.

Onde se trata do que seria visto

Os desajustes de um quadro de filosofia na televisão feito mais para distrair que para educar, perdão, televisão não foi feita para educar ou instruir, a não ser em horas da madrugada, quando todo o mundo, insone, pode ver, mas digo, os desajustes de um quadro de filosofia em 8 minutos na televisão já eram ou seriam mais ou menos previsíveis. Mas nada mágico, nada fantástico. Notem o crescendo, que não é bem um subir de estágios, mas um somatório, melhor, um produto de multiplicação que se conhece pouco a pouco: filosofia na televisão multiplicada por diversão multiplicada por 8 minutos. Que resultado esperar de tão potentes fatores?

Mas aqui, como a venda de um imóvel por um esperto corretor, os fatores do quadro, quando anunciados, não se apresentavam tão secos e objetivos assim. Dizia-se, ao ser divulgado o "Ser ou não ser?", como uma afirmação, sem nenhuma dúvida perturbadora.

"A idéia é falar de filosofia com quem nunca estudou o assunto. Não concordo que a filosofia não seja para todos. Atualmente, as pessoas querem respostas para a vida e, na ausência delas, estão voltando ao pensamento", dizia a filósofa. Bom, se a manifestação ia ser assim, mui bem-vinda seria. Pensávamos então, e por favor escondam o sorriso, que teríamos algo como O Mundo de Sofia no ar, todos os domingos, em todos os lares do Brasil. E se assim pensávamos, como um pobre de um necessitado de casa que se deslumbra ante um imóvel já vendido antes que seus olhos o vejam, mais contentes ficávamos com o aval dos editores do quadro à filósofa. Diziam eles:

"O programa não pretende ensinar filosofia academicamente, mas oferecer ao espectador uma iniciação ao tema, incitando à reflexão. É plantar uma sementinha e esperar os resultados".

E completava a doutora:

"O quadro terá poucas citações a nomes e certa influência nietzschiana. Sua continuidade estará no site do programa. Lá, o espectador aprofunda as questões".

Onde se trata do que se viu

Na crítica ao primeiro programa, Bia Abramo, na Folha de S.Paulo, já observara que as imagens eram de um óbvio quase tautológico. Se o texto falava em catástrofes a imagem na tela era de um furacão. Agora, oito programas depois, podemos ver além da imagem, ou, para usar o jargão, ir além do sensível.

Ainda que à revelia da intenção dos seus realizadores, o "Ser ou não ser?" aprofunda de certo modo a filosofia. Isto porque já podemos ver que ele faz no pensamento filosófico uma profunda simplificação. E aí difícil é saber se a Galinha da filosofia em 8 minutos pôs o Ovo da simplificação da filósofa, ou se foi o Ovo do resumir da filósofa que gerou a Galinha de todos os domingos do programa. Para sair desse impasse medieval, melhor será dizer que ambos se geram, porque vêm num diálogo mui profundo e produtivo. Vejam se nos enganamos:

(Narra o texto) "Platão afirmava que o corpo era um túmulo que aprisiona a alma. Um obstáculo ao pensamento. (Corte para o depoimento)

"Eu não posso te falar o que é alma, porque eu nunca vi uma alma para vir me avisar o que é alma", diz o coveiro João Caetano."

Vejam: chega a ser constrangedor o grau de simplificação, o nível simplório até o nível da idiotia disto. Se nos permitem um comentário, um só, vejam: o pobre do Platão passou toda a sua vida a lutar por um conceito de alma, da alma que abarcasse do desejo à coragem e daí à razão, que o fizesse penetrar no mundo das idéias, para ver toda essa luta ser rebaixada ao conceito da alma que é assombração. Com direito a cenário de cemitério numa noite de agosto do Brasil.

Onde a lógica prima

Mas não nos assombremos, ainda. Vejam, no programa que mencionava Aristóteles:

"Uma família de Natal inventou uma língua maluca para se comunicar, um dialeto que não se parece com nada que você já ouviu antes. Será que isso tem lógica? E o que esse idioma inventado tem a ver com a Filosofia?"

Imagina? Pois aí vai a resposta e sua continuação:

"Tudo! ‘Sete gombe pra maezta’. Russo? ‘Kudermente tombe kundermebre!’ Japonês? ‘Ebnaskdedkkenjej fuki six! Canjães! Canjães!’ Está de trás para frente? Você consegue decifrar o que são essas frases? Esse código faz sentido? Para eles, sim. E você sabe por que a família Padilha se entende, mesmo nessa língua tão estranha? Porque a conversa deles segue as regras da lógica..."

Se se permite um rápido comentário, vejam. Pouco importa, para o quadro de filosofia do Fantástico, que essa brincadeira particular de uma família nada tenha a ver com língua ou idioma. De um ponto de vista científico, claro, nada tem a ver. Escrevemos "científico"? Ora, científico. Nós estamos no domínio de outro território – o de passar idéias para crianças adultas, mais conhecidas como o grande público, sim, esse mesmo, o grande, ignaro e manipulável público. Porque de outro modo não pode ser visto um conjunto de crianças burras, muito burras, a quem se dirigem sons absurdos, dos quais se diz fazerem parte de um sistema lógico, do qual não se esclarece afinal que lógica mantém.

Mas não descansemos, inda. Oito minutos na televisão fazem um tempo precioso para o que o arbítrio determinar como natureza da filosofia.

(Depoimento de uma juíza) "A lógica está na lei, a lógica também está na boa argumentação. A boa argumentação é fundamental para a gente chegar no justo. Mas não a argumentação só da oratória e do discurso vazio. A argumentação fundamentada na prova do processo". Nada se comenta sobre qual lógica, numa sociedade de classes, desigual como a brasileira, repousa o espírito das leis. E se não se comenta, é porque se achou bem ilustrativa para os objetivos do quadro do programa semelhante declaração. Mas estamos sendo injustos, porque a narração fala a seguir: "Para a lógica, não importa o que está sendo dito, mas como. Ela é a forma da linguagem, não o conteúdo". Ou seja, sem dizer claramente que isto não é mais assim, a narração passa um sentido moderníssimo, universal, ao que já foi superado e morto muito antes deste 2005.

Então perguntamos, por fim, o que tal produção, tal quadro, tal, não sabemos bem o quê, realiza ao pretender levar ao espectador essa iniciação na filosofia?

Onde tudo, ou quase tudo é relativo

No blog da filósofa, aquele mesmo que aprofunda as informações do site, que aprofunda as questões do programa, estão e se escrevem estas linhas:

"Para Espinosa, Deus não criou o mundo, ele é o mundo. Em outras palavras, tudo o que existe no mundo é Deus, que também pode ser pensado como a natureza, ou a substância infinita".

Ainda que debitemos à informalidade dos blogs o cochilo do "ele" sem E inicial maiúsculo, que identificaria melhor Deus, logo depois do "não criou o mundo", ainda assim não poderíamos desculpar a ligeireza, para não usar mais rigoroso juízo, da frase "tudo que existe no mundo é Deus, que também pode ser pensado como a natureza". Vejam, basta um ouvido, uma percepção acostumada à língua, para que se conclua que algo de não-Espinosa está aí. Porque, no mínimo, a natureza aí não pode ser somente física, inumana. E depois, O mundo é Deus, ou Deus é o mundo? As duas ordens de frase não significam a mesma coisa.

Percebe-se claro uma vulgarização da filosofia, que vai além ou aquém de tornar algo público. Há uma vulgarização de fazer vulgar mesmo, de tornar pequeno, reles, mesquinho.

Vejam. Não se trata de pretender que se ensine filosofia pela televisão, numa emissora privada que vive, em tese, de propaganda e anúncios. A nossa candidez de Candide não chegaria a tanto. Trata-se da esperança de que se encarem problemas sérios, o que não quer dizer graves, da vida de todos nós, de todos os dias, com um tratamento menos descartável, que não acabe no primeiro segundo depois que a imagem suma da tela. O "Ser ou não ser?" nem faz isto, nem apresenta filósofos, sequer superficialmente. Ensaia furar as duas coisas ao mesmo tempo, e o resultado é desastroso. Deixa no grande público a falsa impressão de que assistiu a qualquer coisa "filosófica". Deixa nos editores do Fantástico a não menos verdadeira impressão de que levaram algo novo, inteligente, para a grande massa.

Esta simplificação, em nome de se divulgar a filosofia, lembra uma anedota onde figura a venerável figura de Einstein. Conta-se que ele tentava explicar a Teoria da Relatividade a um senhor interessado no magnífico sistema. Por mais que explicasse, o homem não o entendia. Então o ilustre cientista tentou a simplificação, e passou cada vez mais a simplificar, até um ponto em que o seu interlocutor exclamou, "ah, agora entendi!". Ao que o cientista observou, desolado: "É, mas infelizmente isto já não é mais a Teoria da Relatividade".

Simplificar facilita muito. Mas não chamem isso por favor de Filosofia. Tentem Conversa de Telefone.


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