pensante

René Queiroz

Minha foto
Nome:
Local: Sampa, Brazil

marcado

sexta-feira, janeiro 27, 2006

A segunda fundação da Bolívia

Em 22 de janeiro do ano 2002, Evo foi expulso do Paraíso.
Ou seja: o deputado Morales foi expulso do Parlamento.
Em 22 de janeiro do ano 2006, nesse mesmo lugar de aspecto pomposo, Evo Morales foi consagrado presidente da Bolívia.
Ou seja: a Bolívia começa a tomar conhecimento de que é um país com maioria indígena. Quando ocorreu a expulsão, um deputado índio era mais raro do que cachorro verde. Quatro anos depois, são muitos os legisladores que mascam coca, milenar costume que estava proibido no sagrado recinto paramentar.

*** Muito antes da expulsão de Evo, os seus, os indígenas, já tinham sido expulsos da nação oficial. Não eram filhos da Bolívia: eram apenas sua mão-de-obra. Até pouco mais de meio século atrás, os índios não podiam votar nem caminhar pelas calçadas das cidades. Com toda razão, Evo disse em seu primeiro discurso presidencial, que os índios não foram convidados, em 1825, à fundação da Bolívia. Essa é, também, a história de toda América, incluindo os Estados Unidos. Nossas nações já nasceram mentidas.
A independência dos países americanos foi, desde o início, usurpada por uma muito minoritária minoria. Todas as primeiras Constituições, sem exceção, deixaram de fora as mulheres, os índios, os negros e os pobres em geral. A eleição de Evo Morales é, pelo menos neste sentido, equivalente à eleição de Michelle Bachelet. Evo e Eva. Pela primeira vez, um indígena é presidente na Bolívia; pela primeira vez, uma mulher é presidente no Chile. E a mesma coisa poderia ser dita do Brasil, onde pela primeira vez é um negro o ministro da Cultura. Por acaso não tem raízes africanas a cultura que salvou o Brasil da tristeza?
Nestas terras, doentes de racismo e de machismo, não vai faltar quem pense que tudo isto é um escândalo. Escandaloso é não ter acontecido antes.

*** Cai a máscara, a cara aparece, e a tormenta aumenta. A única linguagem digna de fé é a nascida da necessidade de dizer. O mais grave defeito de Evo é que a gente acredita nele, porque transmite autenticidade até quando está falando em espanhol, que não é sua língua materna, e comete algum errinho. Acusam-no de ignorância os doutores que praticam a arte de serem ecos de vozes alheias. Os vendedores de promessas acusam-no de demagogia. Acusam-no de caudilhismo aqueles que na América impuseram um Deus único, um rei único e uma verdade única. E tremem de medo os assassinos de índios, temerosos de que suas vítimas sejam iguais a eles.

*** A Bolívia parecia ser apenas o pseudônimo daqueles que mandavam na Bolívia, e que a exprimiam enquanto cantavam o hino. E a humilhação dos índios, já tornada costume, parecia um destino. Mas nos últimos tempos, meses, anos, este país vivia em perpétuo estado de insurreição popular. Esse processo de contínuos levantes, que deixou pilhas de mortos, culminou com a guerra do gás, mas vinha de muito antes. Vinha de antes e continuou depois, até a eleição de Evo que foi ganha contra vento e maré. Com o gás boliviano estava se repetindo uma antiga história de tesouros roubados ao longo de mais de quatro séculos, a partir de meados do século dezesseis: a prata de Potosí deixou uma montanha vazia,o salitre da costa do Pacífico deixou um mapa sem mar,o estanho de Oruro deixou uma multidão de viúvas.
Isso, e somente isso, deixaram.

*** As manifestações populares destes últimos anos foram crivadas de balas, mas evitaram que o gás evaporasse em mãos alheias, desprivatizaram a água em Cochabamba e La Paz, retornaram governos governados que estavam fora, e disseram não ao imposto sobre o salário e para outras sabias ordens do Fundo Monetário Internacional. Do ponto de vista dos meios civilizados de comunicação, essas explosões de dignidade popular foram atos de barbárie. Mil vezes foi visto, lido, escutado: a Bolívia é um país incompreensível, ingovernável, intratável, inviável. Os jornalistas que dizem isso, e repetem, enganam-se: deveriam confessar que Bolívia é, para eles, um país invisível.

*** Nada tem de estranho. Essa cegueira não é só um péssimo costume de estrangeiros arrogantes. A Bolívia nasceu cega de si, porque o racismo coloca teias de aranha nos olhos, e é claro que não faltam aqueles bolivianos que preferem se ver com os olhos que os desprezam. Mas não é à toa que a bandeira indígena dos Andes rende homenagem à diversidade do mundo. Segundo a tradição, trata-se de uma bandeira nascida do encontro do arco-íris fêmea com o arco-íris macho. E este arco-íris da terra, que na língua nativa é chamado de tecido de sangue que flameja, tem mais cores que o arco-íris do céu.

Eduardo Galeano

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Um Indio!

A Bolívia é conhecida por ser um país infeliz, desesperançado. É o único caso contemporâneo de uma nação que perdeu sua saída ao mar – na guerra do Pacífico, em 1879, para o Chile, detrás de quem estavam os interesses das empresas mineiras britânicas. Posteriormente, nos anos 30 do século passado, a Bolívia voltou a ser amputada de um pedaço do seu território – na guerra do Chaco, para o Paraguai, igualmente com interesses de corporações multinacionais, interessadas nas riquezas energéticas da região.
A Bolívia poderia ter recuperado sua esperança e sua auto-estima na revolução nacionalista de 1952, em que foi realizada a reforma agrária, foram nacionalizadas as minas, o exército chegou a ser substituído por milícias populares. Mas essa revolução foi logo desnaturada, recuperada, tornou-se mais um governo das elites (o que eles chamam de “rosca”).
Mais tarde, em 1967, o que poderia ter sido o resgate da Bolívia, terminou cedo com o assassinato do Che, deixando recair sobre o país – embora, na realidade sobre seus governos subservientes aos EUA – a mancha da morte do Che. Posteriormente, a Bolívia foi vítima do primeiro plano neoliberal no mundo, que liquidou a economia mineira e, com ela, um de suas mais importantes conquistas – a classe trabalhadora mineira e a Central Operária Boliviana (COB). Porém, o renascimento do movimento indígena boliviano foi o momento de resgate do país, com a expulsão da Bechel, a empresa que queria privatizar a água, em 2000. Dali para frente, o movimento popular boliviano só se fortaleceu, derrubou a dois presidentes que não concordaram com a nacionalização dos hidrocarburetos, a convocação de uma Assembléia Constituinte que refunde o Estado da Bolívia como um Estado multiétnico e multicultural.
E, finalmente, esse extraordinário movimento popular, sabendo combinar sublevações com marchas, com greves de fome, com campanhas eleitorais, elegeu, pela primeira vez, em mais de 400 anos, um indio, um dos seus como Presidente da República.

domingo, janeiro 22, 2006

e agora?

Bom, agora parece que chegamos no limite!
A matéria da Veja, já reproduzida abaixo, sobretudo o seguinte trecho - que acho que vale a pena repetir - é fulminante:
"Segundo relato de um senador tucano, a nova conta do publicitário Duda Mendonça recebeu recursos para a quitação das despesas de campanha de Mercadante ao Senado. Se o publicitário confirmar essa versão, Mercadante poderá acabar respondendo a processo e perder o mandato. Mas não é isso que a oposição quer. A estratégia da oposição é usar Duda para forçar o PT a fazer uma barganha para poupar o senador Eduardo Azeredo, do PSDB, e o deputado Roberto Brant, do PFL. Os dois parlamentares também receberam dinheiro clandestino do empresário Marcos Valério. Roberto Brant, inclusive, já teve o pedido de cassação de mandato aprovado pelo Conselho de Ética. Azeredo aguarda o relatório da CPI dos Correios.Participaram da reunião doze parlamentares oposicionistas, incluindo o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e o do PSDB, Tasso Jereissati, que chegou no fim, quando a chantagem já havia sido decidida. Aliás, houve um momento de grande constrangimento. O senador Eduardo Azeredo apareceu no instante em que o líder de seu partido, Arthur Virgílio, explicava a estratégia para salvá-lo. Azeredo abriu a porta, ouviu, fechou-a e decidiu esperar do lado de fora. O que se discutia na sala dos pefelistas, aliás, era realmente de enrubescer qualquer um com um mínimo de vergonha. Para salvar Azeredo, defendiam os tucanos, bastava envolver Aloizio Mercadante com o valerioduto e as contas clandestinas de Duda no exterior. O publicitário ajudaria na tarefa. Para salvar o pefelista Roberto Brant, bastaria o PT votar em plenário pela absolvição do parlamentar. Como o voto é secreto, ninguém ficaria sabendo do acordo. O senador Arthur Virgílio ficou encarregado de levar a proposta a Aloizio Mercadante e ao petista Delcídio Amaral, presidente da CPI dos Correios. Os dois negam ter conversado a respeito desse assunto com o líder tucano".As oposições deveriam, entretanto, merecer o benefício da dúvida: acho que deveriam ter um prazo (que não pode ser muito longo, por motivos óbvios) para tentar consertar as coisas, desmentir os rumores de envolvimento nessa e em outras negociatas políticas, enfim, tomar uma atitude condizente com o que delas se espera e com a preservação da sua credibilidade. Se não, bem... se não, será a tragédia mesmo!
Algum dia, é claro, o Brasil vai se recuperar.
Lá pelo meio do segundo mandato de Lula, surgirá outra oposição.
PSDB e PFL estão liquidados...

terça-feira, janeiro 17, 2006

Chávez, o Brasil e a Embraer...

O obstáculo norte-americano à venda de aviões da Embraer à Venezuela não é a primeira nem muito provavelmente será a última intervenção indevida neste item tão delicado da pauta de exportações brasileiras. Em outubro de 2002, o general James Hill, então chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, vetou a compra de 40 aviões Emb-314 pelo governo colombiano, sob o pretexto de que não eram adequados ao combate à guerrilha na selva e nas montanhas, segundo parâmetros do Plano Colômbia, firmado anos antes pelos presidentes Bill Clinton e Álvaro Uribe Vélez para combater a guerrilha e o narcotráfico no país. Mesmo sabendo da consulta formal à empresa brasileira, Hill despachou memorando ao comandante das forças militares colombianas à época, general Jorge Enrique Mora Rangel, “aconselhando-o” a desistir do negócio. Alguns anos depois, a Colômbia comprou 25 unidades do modelo Super Tucano, com a anuência norte-americana, é claro.
A questão principal embutida nos negócios externos da Embraer reside no mercado internacional. A fábrica brasileira conquistou reputação e respeito a ponto de enfrentar grandes concorrentes mundiais, como a canadense Bombardier, na preferência dos clientes norte-americanos, europeus e até chineses. O argumento do general James Hill era frágil, porque a empresa brasileira produz aeronaves de médio porte próprias às condições do mercado brasileiro e, por extensão, sul-americano. Agora, o pretexto formal é que ela repassaria à Venezuela tecnologia contratada nos Estados Unidos, o que eriça os pêlos dos militares de Bush. A Embraer deixará de faturar com o negócio avaliado em meio bilhão de dólares – a não ser que conte com o apoio firme e decidido do governo brasileiro para reverter a situação.
O Itamaraty, na realidade, defende os interesses da empresa brasileira desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando ela sofreu pressões contra o fornecimento a uma empresa norte-americana de aviação civil de médio alcance. A Bombardier, na época, mobilizou o governo do Canadá, apelou para as condições privilegiadas de comércio no âmbito do Nafta (o acordo de livre comércio entre México, EUA e Canadá) e sensibilizou autoridades civis e militares dos EUA na defesa de um mercado que considera cativo (afinal, a empresa canadense mantém prudente distância dos países ao sul do continente, justamente para evitar problemas com o poderoso vizinho lá em cima). Ocorre que o mercado globalizado expandiu as oportunidades para a competente Embraer.
Por outro lado, o componente político e ideológico da transação que ocupa o chanceler Celso Amorim no momento também não é novidade. Há menos de dois meses, o governo Bush pressionou a Espanha para romper o contrato recém-firmado pela empresa EADS-Casa com a Venezuela para o fornecimento de 12 aviões de transporte militar também com tecnologia norte-americana, além de oito barcos de patrulha, num total aproximado de US$ 2 bilhões. Aliada dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha na invasão do Iraque, em março de 2003, a Espanha ignorou a pressão e a fábrica manteve o negócio, mesmo ante a ameaça de ter de trocar a tecnologia atual por outra, francesa. Inclusive porque o valor contratado não é nada desprezível em nenhuma balança comercial.
É mais ou menos no mesmo contexto que a diplomacia brasileira vem trabalhando para convencer o governo Bush de que a Venezuela não está sujeita a qualquer sanção ou bloqueio e que pode perfeitamente substituir a Embraer por empresas do outro lado do mundo, onde o Estado controla esse tipo de indústria, mesmo depois do fim do bloco soviético. Foi, aliás, o que o presidente Hugo Chávez deixou patente, dias atrás, ao denunciar o boicote de assistência técnica aos caças F-16 comprados pela Venezuela nos Estados Unidos há muitos anos: "Se temos de substituir essa frota de F-16 por uma frota moderna de aviões MiG (de fabricação russa), nós o faremos”, ameaçou, conforme registro da agência France Presse reproduzido nos jornais brasileiros.
A Venezuela é um excelente freguês, com muito dinheiro em caixa. É membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a ainda poderosa Opep, que dita o preço do barril em nível internacional. Graças à robustez da economia, promove não só a modernização do seu aparato militar, mas principalmente as transformações de base em benefício da maioria da população, pobre e historicamente desassistida. Está constantemente firmando pactos internacionais que fortalecem parceiros como Cuba, que fornece médicos para assistência pública gratuita. Da Argentina, adquiriu títulos no valor de quase US$ 1 bilhão, ajudando em muito o governo Néstor Kirchner a saldar a dívida com o Fundo Monetário Internacional. Com a Bolívia de Evo Morales, propõe parcerias que incluem o envio de técnicos da estatal petrolífera, médicos e sanitaristas cubanos e até especialistas em comunicação social. E com o Brasil acelera a cooperação com a Petrobrás, tendo a construção de uma refinaria em Pernambuco como a parceria principal, no valor estimado de US$ 2,5 bilhões.
Todos os passos da economia externa venezuelana estão vinculados à política de esquerda e à confrontação com o grande império do norte, os Estados Unidos. Daí a Venezuela liderar a campanha da criação da Alternativa Bolivariana para as Américas, Alba, em substituição à proposta norte-americana da área de Livre Comércio das Américas (Alca). Daí o governo Bush não gostar nem um pouco da crescente influência venezuelana no continente. Na realidade, nem mesmo sua administração escapa à ofensiva venezuelana. Aproveitando-se do fato de manter mais de 10 refinarias de petróleo no sul dos EUA, a Venezuela firmou acordos com sindicatos de trabalhadores na área mais afetada pelos furacões que recentemente expuseram a face miserável da sociedade norte-americana, para o fornecimento de combustível de aquecimento de residências a preços até 40% inferiores aos das empresas locais.
Parece óbvio que, para conduzir uma ofensiva internacional desta envergadura, é imprescindível um líder carismático e polêmico como Hugo Chávez. O que ajuda de um lado, de outro às vezes incomoda, como o caso da compra dos aviões da Embraer. Na abertura do ano acadêmico militar, na semana passada, ele atacou como de costume o governo Bush, destacando as pressões para impedir o negócio com a Embraer. A publicidade do caso provocou o recuo momentâneo da investida diplomática brasileira e ainda forçou o ministro Celso Amorim a assumir publicamente as críticas do presidente venezuelano. Já há algum tempo George Bush escolheu para o Brasil o papel de líder subcontinental na contenção dos ânimos antiamericanos abaixo do Equador. É um papel ingrato e requer, além de muita diplomacia, o folclórico “jeitinho brasileiro” para ouvir sem concordar e também concordar sem dizer, dependendo do interlocutor e das circunstâncias. Até o momento, o Itamaraty vem se saindo bem e a concretização do negócio dos aviões pode representar passo mais importante do que sugere uma avaliação ligeira.

domingo, janeiro 15, 2006

inimigo rumor de dora ribeiro

a tua distância
tem nome
porque sei de cor
o tamanho das palavras
que nos separam
revejo-as
agora
estiradas ao sol
em silêncio
e me pergunto
quantas vezes
será preciso repeti-las
até que se dissolvam
como água na chuva

sábado, janeiro 14, 2006

O fim da Democracia, o voto nulo!!

Entramos em ano eleitoral e, mais do que nunca, a crise política nos leva a rever nosso papel como cidadãos
Afinal, como tem sido nossa participação nos rumos do país? Governos e parlamentos são constituídos pelo voto, mas como estamos exercendo o direito de votar e definir quem governa?
A situação é difícil diante de representantes que se sentem donos dos mandatos que lhes atribuímos, barganham votos, trocam de partidos aleatoriamente, menosprezando o sentido da democracia. Mesmo os partidos não expressam e não maximalizam as diferentes identidades e os diferentes interesses políticos por trás do comum estatuto de cidadania. O Partido dos Trabalhadores (PT), que parecia ser capaz de renovar a cultura democrática, acaba de demonstrar seus limites ao optar por estratégias de conquista do poder que negam seus valores éticos fundantes.
Mas as decepções que nos acompanham neste ano eleitoral não acabam aí. Votamos por mudanças no governo, no conteúdo e na forma. Passados três anos, vemos o aperfeiçoamento e a exacerbação das mesmas políticas macroeconômicas de ajuste do neoliberalismo, além de um desenvolvimentismo canhestro. Nesse quadro, não surpreende que, mesmo de forma larval, surja o protesto do voto nulo ou mesmo do não votar. Porém, esse "Movimento pelo Voto Nulo" é mais grave do que a crise política em si.
Não votar ou anular o voto poderá ser um render-se diante de dificuldades da democracia, uma espécie de aceitação implícita dos princípios deste capitalismo selvagem e excludente, em sua versão neoliberal, no qual o que importa é cada um e cada uma se virar por si mesmo, deslegitimando a política e sua capacidade de nos transformar em sujeitos detentores de direitos comuns de cidadania. Em última análise, com o espraiamento da opção pelo voto nulo, colocamos em risco a democracia como projeto e estratégia. O desinteresse pela política – que começa a crescer perigosamente entre nós – é o caminho mais curto para manter tudo como está.
Mesmo reconhecendo que as eleições não são a panacéia geral, votar é preciso. Nem que seja para escolher o menos pior. Mas cada vez fica mais claro que a questão de fundo é a participação cidadã, em tudo, em todos os espaços, de todas as formas. Esta é a verdadeira questão. Trata-se de pôr no centro o espaço público, a publicização e a politização como condições incontornáveis da democracia. Para que direitos, no lugar de privilégios, sejam referência da vida em coletividade, para que a busca de eqüidade e justiça social sejam possíveis, para que o bem público se sobreponha ao interesse privado é fundamental a participação cidadã. E ela só tem possibilidade e sentido como ação pública, como constituinte do espaço público, como o locus de referência de todos e todas.
No fundo, ação da cidadania, participação política e luta por direitos forjam os espaços públicos e a própria democracia. Mais do que uma questão de Estado, de poder constituído, a democracia é um processo que tem na participação cidadã a sua força vital, sua razão de ser. Por isso, todas as formas de participação são indispensáveis. O voto foi uma conquista fundamental. Nem precisamos ir muito longe para nos certificar a respeito. Nós mesmos lutamos por Diretas Já como símbolo da redemocratização nos anos 1980. E a luta pelo direito de votar veio no bojo de enormes embates que gestaram uma vibrante sociedade civil, com muitos movimentos, organizações e sujeitos coletivos.
Hoje, descobrimos os limites da enorme onda democratizadora que gestamos. Conseguimos muito, mas não conseguimos mudar a lógica destruidora e socialmente excludente de nossa estrutura social. Culpar o voto seria miopia. Talvez falte mais voto, mais plebiscitos e referendos, mais participação paritária, mais democracia direta, isto sim. Precisamos é retomar a nossa capacidade constituinte, o nosso fazer cidadão, de todas as formas, com toda a radicalidade possível.
É a privatização da política e da coisa pública que engendram crises como as que estamos vivendo. O remédio está ao alcance de nossas mãos. Não virá da política instituída no Congresso e no governo. Virá de nosso esforço de transformar em questões públicas o que teima em se manter privado, de afirmar direitos contra privilégios, de produzir mais espaço público e democracia para as fragilidades da própria democracia.
Enfim, para um Brasil justo, democrático, solidário e sustentável o jeito é participar ainda mais.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Comigo Mesmo

Ouvi agora pouco e gostei muito, li agora pouco e gostei muito, me faz lembrar pessoas que ainda ardem em meu peito,
ë Lu Horta, uma poeta bendita:
Eis sua obra-

eu comigo mesmo
consigo mesmo
tudo o que eu quero comigo mesmo
e se eu quero tudo
consigo mesmo
comigo mesmo
consigo mesmo
eu e meu umbigo e meu olho vesgo
comigo mesmo
consigo mesmo
e se eu quero tudo
consigo mesmo
comigo mesmo.
consigo mesmo
eu e meu umbigo e meu olho vesgo.

Acrescento:
cuidado se não eu paro
e se paro comigo mesmo
não consigo mesmo
cuidado comigo mesmo
cuidado consigo mesmo
comigo consigo dentro
cuidado se não eu entro...

terça-feira, janeiro 10, 2006

Prá Começar Bem...

Este belissimo texto me fez pensar mais em mim, não sou catolico, Frei Betto me alegra...
Eis:

Feliz Ano Novo aos que tiveram perdas no ano velho e ainda assim recolhem pedras em suas aljavas. Aos colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transmutem em borboletas. Aos cínicos repletos de palavras sem raízes no coração.
Feliz Ano Novo às bordadeiras de emoções, que gastam a vida desfiando intrigas e agulhando a boa fama alheia. Aos cépticos desprovidos de horizontes e aos que debruçam sobre a própria solidão para contemplar abismos. Aos ressuscitadores de desgraças, aos que se escondem em seus sapatos e aos idólatras que cultuam os poderosos.
Feliz Ano Novo aos que asfixiam a criança de si e aos que se fantasiam de palhaço para camuflar tristezas. Aos que gastam a vida contando dinheiro, sempre em débito com o amor. Aos que acumulam bens e desperdiçam virtudes, ajuntam poder e semeiam mágoas, galgam a fama e pisam em sentimentos.
Feliz Ano Novo aos sonegadores de esperança e aos que crêem apenas nos valores da Bolsa. Aos mancos de bondade, cegos de utopia, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Aos que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.
Feliz Ano Novo aos que se agasalham com gelos e jamais dão ouvidos à sabedoria do fogo.
Aos que alugam a própria dignidade e se revestem da ideologia do consenso. Aos que escondem montanhas debaixo da cama, congelam estrelas no bolso e torcem o arco-íris até sangrar.
Feliz Ano Novo aos que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Aos que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e, como Carolina, vêem o mundo passar pela janela. Aos que proferem palavras furtivas, segredam mentiras, sonham com elefantes de papel e tentam fugir da própria sombra.
Feliz Ano Novo aos voluntários da servidão, aos que amam amar amores e desamores alheios e nunca experimentam o êxtase de uma paixão inefável. Aos crentes desprovidos de fé, aos políticos vazios de senso cívico, aos democratas que engraxam botas e dormem ao som de cometas.
Feliz Ano Novo aos fazem de seus dias tijolos de catedrais escuras, navegam em pingo d'água e jamais perdem tempo com uma criança. Aos que cimentam árvores, fazem pontaria em orquídeas e pintam o verde de marrom. Aos que jamais escutam o silêncio, vociferam palavras sem nexo e tratam seus semelhantes como os motoristas reclamam dos buracos na estrada.
Feliz Ano Novo aos que cercam suas almas com arame farpado, abrem com foices seus caminhos na vida e, ainda assim, não sabem que rumo tomar. Aos que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus rios.
Feliz Ano Novo aos que cavalgam em hipocampos de feltros grávidos de dinamites, multiplicam teorias para subtrair a prática e escondem o horizonte no fundo da gaveta.
Feliz Ano Novo aos que se julgam imortais, incensam a própria imagem e tocam címbalos aos cifrões que servem de prisão aos que estão terminantemente proibidos de tomar em mãos vazias de dinheiro, um prato de comida.
Feliz Ano Novo aos infelizes que fazem de suas vidas Lua minguante e se vestem com o escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado. Novos lhes sejam o ano e a vida, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.
Frei Betto é escritor.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Haiti, Qual é o momento?

Se até um militar, no comando de uma batalha, sabe a hora de recuar, por que o ministro político da pasta da Defesa vem a público dizer que não recua “de jeito nenhum”? Se até um militar, no comando de uma batalha, sabe que um recuo estratégico vale mais do que uma derrota desmoralizante, quem é o ministro político da pasta da Defesa para dizer que a saída da missão da ONU seria a “desmoralização” do país? Se esta não é a hora para questionar a missão, sejam lá quais forem as motivações por trás da morte do general Urano, é caso de perguntar ao ministro Alencar qual seria mesmo o momento oportuno para avaliar o que os 1.200 soldados brasileiros fazem no Haiti.
O envio do contingente militar brasileiro ao Haiti foi uma decisão politiqueira, e a permanência da tropa virou uma política pública criminosa sob vários aspectos. Para este governo nunca haverá um momento apropriado para discutir o assunto pela simples razão de que o envio da tropa nunca foi discutido. Os vários argumentos em favor da retirada imediata: as tropas brasileiras estão fazendo no Haiti um trabalho de policiamento que se recusam a executar aqui dentro. Continuo a defender que, no Brasil, não sejam mesmo policiais, mas, como militares treinados que são para a tarefa, que reconquistem para o Estado brasileiro o território urbano perdido para o crime organizado.
O governo brasileiro não tem nenhuma política externa estruturada para a missão dada às Forças Armadas no Haiti, apenas a transformou em um palanque diplomático chinfrim. Tal qual as viagens pitorescas a alguns países africanos e a oportunista cúpula dos países árabes com os da América do Sul. Ou a estagnação do Mercosul e a invenção da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa).
É estarrecedor ver o segundo homem na hierarquia de comando da Defesa Nacional, depois do presidente da República, dizer que não pode recuar de “jeito nenhum”. De um homem público espera-se que ele faça o devido e não adote posições suicidas em nome de argumentos tolos. Fatos públicos concretos exigem medidas concretas de homens públicos adotadas com justificativas que tenham como base o que ele julgar melhor para o interesse público. Imaginem o que teria acontecido a este país se, em 1999, o governo FHC (1995-2002), depois da evidência de que o câmbio havia se transformado em uma âncora econômica populista, tivesse adotado a política do “não recuo de jeito nenhum” e não desvalorizasse a moeda!!
Reinaldo de Azevedo Do site Primeira Leitura

domingo, janeiro 08, 2006

2006 Quem quiser se iludir que se iluda...

Este 2006 é um ano que promete. Em termos de América Latina, as eleições gerais no Brasil, México, Nicarágua, Peru, Colômbia e Equador, para não falar da Venezuela e do segundo turno chilenos, devem ocupar grandes espaços. O eleitorado está deixando o recado: chega de neoliberalismo. Esse recado, diga-se de passagem, independe se o eleito vai ou não cumprir suas promessas de campanha.
Na Bolívia, ao apagar das luzes de 2005, Evo Morales ganhou a Presidência da República por maioria absoluta, não necessitando, portanto, de que o Congresso, como dispõe a Constituição do país, decida quem será o novo chefe do Executivo. Morales, um líder indígena, fez promessas que serão cobradas pelo movimento social. Ele tem o compromisso de escrever uma nova história na Bolívia, um dos países mais pobres do continente, apesar de sua atual riqueza energética cobiçadíssima pelas multinacionais do setor: o gás natural.
A Bolívia, vale lembrar, foi um dos primeiros países do continente latino-americano a abraçar a política econômica neoliberal, sustentada pelas elites associadas às finanças internacionais. Levaram o povo boliviano a um estado agravado de miserabilidade. Morales terá uma difícil tarefa pela frente, mas poderá sempre contar com o apoio popular para levar adiante a sua linha programática, ou seja, as promessas feitas. Ele, sem dúvida, será cobrado nesse sentido. Morales sabe perfeitamente que o seu povo é exigente e está mobilizado. Dois ex-presidentes, algozes do povo, Sanchez de Lozada e o vice Carlos Meza, que o digam. Foram detonados pelo movimento social.
Aqui no Brasil, a prevalecer a falta de opção, a crise política poderá ser ainda mais devastadora do que a atual. No momento, a oposição a Lula defende em seu programa o aprofundamento do modelo neoliberal. Ou seja, PSDB/PFL, se chegarem ao governo, tentarão fazer o que até agora não foi feito, a continuidade das privatizações nos restantes setores públicos e ainda o retrocesso nas legislações trabalhistas e sindicais. Está tudo lá no programa desses dois segmentos políticos.
Já nas hostes lulistas, a corrida pela reeleição está em plena carga. Lula ainda fazendo mistério, ou para alguns, fazendo "doce" se concorrerá ou não. Pelo visto, deverá sair mesmo candidato, embora ainda não tenha arquivado de vez um plano B, que, segundo analistas, poderia ser Ciro Gomes ou mesmo a atual Ministra Dilma Roussef.
Na verdade, sem pretensões a exercícios de futurologia, qualquer um dos candidatos a ser eleito, seja ele o seis ou meia dúzia, formará um governo fraco por natureza. Prevê-se também problemas no Congresso. Lula, por exemplo, se teve que fazer tudo o que fez no Congresso para conseguir governabilidade, deverá certamente ter ainda maiores dificuldades. Terá de compor com a podridão, como fez no mandato atual, que teve como estrategista principal, na primeira fase, José Dirceu. A dupla PSDB/PFL está com sede de poder e assim sucessivamente.
Por fora corre a Senadora Heloisa Helena, uma política combativa e que foi expulsa do PT graças ao esquema montado pelos notórios Dirceu, Delúbio, Silvio Pereira etc. Garotinho, um político pouco confiável, pois no discurso é uma coisa e na prática faz outra (haja vista a sua fome de privatizar a Cedae) tenta de todas as formas conseguir a legenda do PMDB. Ele representa o próprio nada de novo no front. Correm atrás também os governadores Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul, e Roberto Requião, do Paraná. Este último tem demonstrado na prática que a sua teoria não se choca com a prática. A manutenção do porto de Paranaguá nas mãos do Estado do Paraná, apesar das pressões contrárias, é um bom exemplo da coerência de Requião; Paranaguá é hoje um dos portos brasileiros mais rentáveis e com preços de serviços melhores até do que o de Santos. Mas isso para sair na mídia conservadora só na base da matéria paga.
Mas em toda esta luta que se avizinha radical, não se pode esquecer de um dos protagonistas principais da história: o movimento social. De nada adianta eleger fulano ou beltrano, sem que haja uma proposta elaborada e que passe por um projeto de país. Os partidos políticos brasileiros, que de um modo geral só pensam naquilo, ou seja, em como chegar ao poder fazendo de tudo, esquecem do principal, ou seja, de que não adianta chegar apenas ao governo sem um projeto de país que tenha o respaldo do movimento social.
A continuidade de Lula, ou a eleição de um Serra, Alckmin ou Aécio são hoje exemplos típicos de seis ou meia dúzia. Vão prometer mundos e fundos. Nos oito anos em que governaram o Brasil com Fernando Henrique Cardoso PSDB/PFL levaram o país para uma situação insustentável. Lula, que se elegeu representando a mudança, fez a opção conservadora e se meteu numa enrascada tendo por base apenas um projeto de poder.
Em suma, 2006 já chegou e a tendência é que daqui para frente esse tipo de discussão se aprofunde. Mas, convenhamos, seria realmente desalentador se a disputa de outubro de 2006 se resumisse ao seis ou meia dúzia. O movimento social, ou pelo menos a maior parte dos que integram esse movimento, tem clareza de que o grande projeto de mudança e transformação que o Brasil precisa não passa por uma eleição. Para se conseguir alcançar a meta da transformação é necessário o fortalecimento do movimento social e a mobilização dos brasileiros. Sem isso, mais uma vez vamos morrer na praia.
Ou será que em sã consciência alguém confia nas propostas do PT, PSDB e PFL e demais partidos menos votados? No PT, por exemplo, já houve até quem dissesse, como Gushiken, que seria conveniente uma aproximação do partido com o PSDB, deixando de lado a "disputa paulista".
2006 chegou e teremos que fazer a opção.
Quem quiser se iludir que se iluda...
Mário Augusto Jakobskind

Diogo a Serra, que "já está eleito"

"José Serra, no Ano-Novo de 2007, estará entrando no Palácio do Planalto. Ele já está eleito. Já ganhou."
É o que escreve Diogo Mainardi em sua coluna na Veja.
E porque acha que assim serão as coisas, Diogo faz algumas perguntas àquele que ele considera ser o futuro presidente do Brasil. São elas:
"– Ele prorrogará a CPMF?– Ele desmontará a arapuca fiscal do Bolsa-Família? Os brasileiros são menos otários do que parece. Para cada voto que Lula ganha com o Bolsa-Família, ele perde dois da classe média.– José Serra fará uma reforma previdenciária de verdade? Uma reforma trabalhista?– Ele retomará a venda das empresas estatais? O fantasma de Ricardo Sérgio de Oliveira até hoje assombra José Serra. Como privatizar sem roubalheira?– Dá para financiar uma campanha presidencial sem roubar?– Por que ele não exige a expulsão imediata de Eduardo Azeredo do PSDB?– Que cargo ele oferecerá a Geraldo Alckmin?– Quem será seu ministro da Fazenda? Armínio Fraga?"
Tratando de outros assuntos, o colunista comenta um momento em que a língua portuguesa foi pichada e conta que dormiu mal na noite de Ano-Novo. No apartamento do presidente do BC, Henrique Meirelles, seu vizinho, tocava a todo volume: "It's raining men. Hallelujah!/ It's raining men. Amen!". Aleluia!

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.