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René Queiroz

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sábado, outubro 28, 2006

A ética, Lula e a moral

A questão exemplar para os que se situam na base da pirâmide social, pelo que vemos, é a ética e não a moral. O que está em tela efetivamente, além de toda retórica tantas vezes enganadora e dos engodos tantas vezes proclamados como verdade absoluta, é a necessidade real de cada um poder se alimentar todos os dias, ter o emprego para que se sinta como cidadão, possa constituir uma família, ter os filhos na escola e a garantia da saúde na certeza do viver.
Estas são as razões pelas quais a ética predomina sobre a moral. Só assim podemos compreender o fenômeno político e social que parece se desenhar no País, constatado numericamente pelas pesquisas dos principais institutos, além da inapelável voz das ruas nessas últimas semanas: Lula vencerá o segundo turno e se reelegerá para mais um mandato na Presidência da República.
As revoltadas elites, que, na sua maioria, preconizam a moral são, em geral, as mesmas que sonegam o Imposto de Renda, dos que pagam propina ao Judiciário, dos que ligam pontas negociais através dos lobbies, dos que recebem comissões em transações indecorosas e se acobertam fazendo severas críticas à moralidade.
Certamente o presidente Lula não será o bode expiatório desta realidade conjuntural e nefasta que precisa ser combatida pelas instituições para que a ética e a moral possam andar lado a lado dignamente na vida deste País e de seus cidadãos.
A sociedade brasileira dá sinais evidentes de não querer um País onde a ética seja dos mais humildes e a imoralidade dos mais abastados. E as urnas deverão sacramentar este desejo coletivo no pleito de domingo que vem.
Ao longo de muitas décadas e praticamente durante todos os governos dos últimos anos, a ética era apenas um emblema formal das elites brasileiras que proclamavam as desigualdades sociais como um quadro de Portinari.
Nesta campanha presidencial, no entanto, o tema ganhou visibilidade incomum nos discursos e nos debates eleitorais dos candidatos, mas igualmente nos escritos e declarações de setores da intelectualidade e da mídia, embora cercado de sombras e, não raramente, de preconceitos e equívocos perversos.
O emprego, por exemplo, era uma contingência econômica e não uma razão de sobrevivência e dignidade humana, ou seja, um fator essencial de conquista e afirmação da auto-estima cidadã. O analfabeto era uma conseqüência de um país empobrecido; a moradia, um sonho a ser alcançado apenas pela classe média; e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma sigla do conhecimento quase restrito da intelectualidade nacional.
A moral sempre foi uma questão da honra da classe média e dos abastados, já os mais humildes na sua maioria a praticam, diariamente, ao pegar o transporte para o trabalho, cuidar da família e servir de exemplo para os demais.
Certamente os mais humildes sequer têm renda para declarar, não sonegam impostos através do tão decantado caixa dois, não subfaturam e, na lisura das suas vidas, não necessitam de pagar propina seja ao Judiciário, a sanguessugas ou aos mensaleiros.

sábado, outubro 21, 2006

Carta Aberta a Arnaldo Jabor

Olha só que coisa!!!

Quase perfeitíssimo truão, Primeiramente, atente ao substantivo, e não desconfie de insulto. Os bobos da corte são, historicamente, mais que promotores de fuzarca ou desvalidos a serviço do entretenimento. Os realmente talentosos urdiam na teia das anedotas a crítica a seus senhores monarcas, traduzindo pela ironia a bronca popular. Era o caso do ácido e desengonçado Triboulet, vosso patrono, uma espécie de grilo falante capaz de estimular as consciências de Luís XII e Francisco I. Tantos outros venceram no ofício, como o impagável Cristobal de Pernia, uma espécie de conselheiro extra-oficial de Felipe IV. Neste Brasil da pós-modernidade globalizante, el rei Dom Fernando Henrique Cardoso reviveu a bufonaria. No entanto, empregou-a de modo diverso, quase sempre como dissimulação hilariante para desviar atenções de sua ética de conveniência mercantil, tão bem definida por Dom José A. Gianotti, seu filósofo e encanador. O ex-monarca utilizou ainda sua trupe de falastrões para promover a alienante festa pública sugerida por Maquiavel. Portanto, nunca é exagero te parabenizar pelo empenho profissional. Há anos, na ribalta televisiva, te devotas a divertir e iludir os "psites do sofá", mesmo depois que o tiranete a quem servias foi apeado do trono. Sempre diligente, conclamas e incitas, rebolando patranhas tal qual histriônico cabo de esquadra do restauracionismo. Recentemente, contudo, causou-me espanto tua fúria salivante para edulcorar a participação do embusteiro Geraldo Alckmin no embate contra o grisalho herói de todos os sertões. Como é próprio de teu ofício, fizeste rir ao embaralhar significados, ao abusar das hipérboles, ao exceder-se nos adjetivos impróprios, ao viajar na maionese das idéias desconexas. No entanto, truão Jabor, prosperou aqui a dúvida. Que quiseste dizer com o clichê "choque de capitalismo"? Seria referência ao rombo de R$ 1,2 bilhão legado pelo embusteiro alquimista ao ressabiado governador Lembo? Ou seria apenas ironia herdada de teus predecessores, na profecia zombeteira de um novo "que comam brioches"? Destacam-se também, como enigmas, tuas dupletas acres de escassa teoria. São os casos de "socialismo degradado", "populismo estatista" e "getulismo tardio". Eita, nóis! Que essas vigarices binárias nos viessem, ao menos, com sal de fruta. Né? Ora, de qual "socialismo" tratas? Será que resolveste, no supletivo dos sexagenários, estudar a industria cultural e as idéias de Adorno? Hum... Pouco provável. No que tange ao termo "populismo", arrisco uma resposta. Tu o compraste na escribaria de ordenança dos novos donatários. É coisa do bazar de tolices de Civita e Frias Filho. Acertei? Diga aí... Mas o que queres dizer com "getulismo"? Pelo que percebi, escapa-te o fenômeno à compreensão histórica. Tratas daquele do Departamento de Imprensa e Propaganda? Ou te referes àquele das necessárias justiças trabalhistas? Outros exageros me encafifaram em tua anedota de encomenda. Tratas lisergicamente de um São Paulo "rico", como se construído dos empenhos da malta quatrocentona. Em teus seminários de apedeuta, desapareceu o povo. Evaporaram-se João Ramalho, Bartira, Tibiriçá, Anchieta, tantos mamelucos arabizados, tantos avós europeus aqui remixados, tantos irmãos nordestinos que ergueram nossos arranha-céus. Teu São Paulo mítico, tristemente, não admite a antropofagia. E tem mais... Em tua pregação, o embusteiro Alckmin surge como legítimo herdeiro da alva elite construtora do progresso. Nesse delírio pós-positivista e lombrosiano, não há rastro da gestão criminosa dos privateiros tucanos, dos sonegadores dasluzeiros, dos pedageiros corruptos e dos sócios do marcolismo. Não te rendeste ao excesso? Ai, ai, ai... Agitando guizos, executas tua prestidigitação. Empregas, em simultâneo, o sapato pontudo para alojar sob o tapete o sacrifício juvenil na Febem, as nove centenas de contratos irregulares e o estupendo assalto ao tesouro da gente bandeirante. Não exageraste? És bufão ou advogado, truão Jabor? Entre tuas deformações, tão valiosas ao ofício, suponho até mesmo a cegueira de um olho. Ignoras o júbilo de milhões de vassalos não mais famintos, agora metidos a escrever o próprio nome. Vê, quanto atrevimento! Tampouco registras a voz de ameríndios e afro-descendentes, agora perigosamente mais próximos de ti, a tomar lugar nos bancos da universidades. Não enxergas a energia elétrica nos grotões nem o canto de esperança dos humildes da terra, fortalecidos em cooperativas de produção. Depois, qual demiurgo de botequim, dizes que o nasolongo Alckmin é "incisivo", enquanto o outro te parece "evasivo". Ladino que és, julgas os combatentes pelo aspecto cênico e não pela natureza das idéias. No caso do embusteiro alquimista, excedes ao elogiar o espantalho bélico, aplicadíssimo ao método stanislavskiano. Ora, magnífico truão, todos vimos que o herói de todos os sertões é adepto de outra técnica. Pisa o palco de Brecht, revelando-se como realmente é, antes que se mistifique no papel de fundeiro de microfone. Cantaste, portanto, a vitória do "limpinho", do "sem barba", do malcriado que imita Tyson. Como líder de torcida, vibraste na platéia, tuas pernas flácidas saltitando de contentamento, as mãos agitando invisíveis fitas coloridas. Ah, mas perdeste a razão... Depois, destilaste teu parvo sarcasmo sobre o "povo", sobre a "mãe analfabeta" do operário e sobre os "pobres", em suma, sobre esses todos do "lado de cá". Na piada rancorosa, revelaste um desprezo moldado para a auto-proteção. Sabes o quanto é doloroso viver deste lado da linha, no território dos anônimos, dos que sofrem e trabalham de verdade. Se há dialética nesta missiva, agrego teus motivos. Sabes o valor de uma adoção real, ainda que precises caminhar de quatro, atado à coleirinha de el rei. Sabes o quanto é estratégica essa assepsia, esse descontato com o ímpio das ruas, dos campos e das construções. Assim, me permito uma visita a teu passado. Tua obra "séria" resultou, caro truão, em enorme fracasso. E, disso, bem sabes. Por um tempo, tuas ventosas de sanguessuga agarraram algumas tetas públicas. Desse modo, pudeste alimentar teus espetáculos de terceira categoria, ainda que fizessem rir quando a intenção era pretensiosamente induzir à reflexão. Incerto dia, pobre de ti, todo o oportunismo de parasita foi castigado, de modo que te encontraste novamente vadio, mergulhado na mais profunda frustração. Naquele momento, julgo, buscaste inspiração em Triboulet... Na Vênus Platinada do decrépito Marinho, iniciaste tua pândega panfletária, calcada na manipulação marota de cacos de idéias. Nada por inteiro. Coerente para quem, por natureza, carece de integridade. Esse flashback permite, portanto, compreender melhor o roteiro cínico. Tanto faz se teu senhor largou o reino às escuras, se destacou piratas para pilhar o patrimônio público, se foi incompetente até mesmo para empreender no capitalismo que tanto celebras. Às tuas costas, no tempo, estende-se a terra arrasada pela peste do egoísmo, habitada de fariseus neoliberais e de peruas ridículas e mesquinhas. Por meio da ruidosa retórica de falso indignado, desvias o olhar público dessa paisagem da tragédia. Para seguir o ato farsesco, fazes descer o pano da falácia sinistra do golpismo lacerdista, da distorção, da maledicência e da espetacularização do rito inquisitório. Simulas ver aqui, em alto grau, o que ignoras ali. Na telinha da "Grobo", distribui sofismas, injetas no sangue de Otello a desconfiança, patrocinas a intriga nacional. Poder-se-ia encontrar em ti o personagem Sacripante. Uma observação acurada, entretanto, revela mais um Silvério dos Reis das artes cênicas. Certa vez, me disse Henfil: "o pior humorista é o que vende sua comédia aos canalhas que fazem o povo chorar". Simples, didático, serve à elaboração de um código de ética de tua categoria. Pois, tua notícia deturpada do embate, devotado truão, mostrou-se cômico engodo. Foi lá, teu embusteiro "truco-lento" dar com as fuças na parede. Saiu do campo laureado e enganado, pior que Pirro. Este, menos imbecil, admitiu que a vitória contra os romanos fora uma tragédia, o prólogo de sua ruína. Portanto, o exemplo da derrota também te serve. Decisivamente, ainda que te gabes, jamais superaste Paulo Francis, o bobo da corte mais destro nessas artes de sabujo-rabujo. E se cultivas alguma pretensão de hegemonia, te sugiro mover o pescocinho atrofiado. Pilantrinhas peraltas, como Mainardi e Azevedo, emparelham já contigo, disputam hidrofobicamente a suprema magistratura da bufonaria. E, percebe truão, que a dupla tonto-fascista não te fica a dever: são também inescrupulosos, traiçoeiros e carregam a poderosa energia do ressentimento, sem contar que igualmente migraram do fracasso profissional para a aventura mercenária midiática. Por fim, adorável truão, ajusta o relógio da tua soberba. Não é hora de celebrar a ignomínia convertida em comédia. Nem é momento de levantar a horda de rufiões da "ética" para cantar a vitória restauracionista. Para além dos simulacros do teu moralismo cínico, lambuzado de paroxismos impróprios, exercita-se o sabre do julgamento público, implacável, aquele cuja lâmina é afiada pelo tempo. Subiram os letreiros... Perdeste o charme. Perdeste a graça.
Mauro Carrara

domingo, outubro 15, 2006

Três graus de separação

Pelo menos para uma coisa serviu a tabajarada de atacar a filha e a mulher de Geraldo Alckmin no site da campanha de Lula, com a retirada do texto horas depois e o pedido formal de desculpas do coordenador reeleitoral Marco Aurélio Garcia.
Ao voltar ao assunto ontem, defendendo o direito do site de atacar o jornal O Estado de S.Paulo em resposta a um editorial interpretado como de crítica pessoal e não política ao presidente, Garcia mencionou uma questão capital para o bom jornalismo.
Trata-se do acesso às páginas de opinião dos jornais e revistas daqueles que pensam diferentemente de seus donos.
Não é o caso de falar em direito - publicações são livres para convidar ou barrar articulistas, e é bom que assim seja. Mas - e esse é um enorme "mas" - a credibilidade de um órgão de imprensa se mede em boa parte pelas oportunidades dadas aos leitores de conhecer opiniões divergentes ou opostas às de seus editoriais, sem que para isso precisem comprar outro jornal ou revista.
Na mídia, são três os graus ideais de separação dos quais depende, ou deveria depender, a confiança a que aspira todo periódico:
1. A chamada separação entre Igreja e Estado: o conteúdo informativo não deve sofrer a influência dos interesses econômicos (ou de outra natureza) dos controladores da empresa que publica o jornal ou revista, incluíndo de modo especial o interesse em deixar felizes os seus anunciantes;
2. A separação entre as páginas do noticiário e a página de editoriais: entre a atividade de informar, com o máximo realisticamente esperável de isenção e objetividade, e a prerrogativa da "casa" de opinar sobre os fatos, sem ou mesmo com parti-pris, com ou mesmo sem honestidade intelectual. Na página de editoriais, o jornal toma posição, emite juízos de valor, ostenta a não-neutralidade de seus donos. Nas outras, deve servir o interesse público, o leitor que o sustenta, apurando e divulgando as verdades do dia, "sem medo nem favor", conforme o adágio clássico;
3. A separação entre a página de editoriais e a página que a antecede ou sucede, por isso mesmo chamada pelos americanos "op-ed page" (página oposta à dos editoriais). A op-ed existe para divulgar análises e opiniões que representem da melhor e mais ampla forma o pensamento da sociedade. Não deveria ser jamais - porém infelizmente é em certos casos - a continuação da página de editoriais por outros meios e com outro nome.
Foi nessa ferida que o coordenador da campanha lulista pôs o dedo ontem.
P.S. Da série "Não confundir capitão de fragata com..."

Postado por Luiz Weis em 14/10/2006 às 10:15:59 AM

sábado, outubro 14, 2006

Alckmin lança Serra para a Presidência em 2010; governador eleito de SP desconversa

Um dia depois de afirmar em Minas que Aécio Neves é pré-candidato à Presidência em 2010, Geraldo Alckmin, ao lado de José Serra, afirmou que o governador eleito de São Paulo está na mesma condição: “Lá na frente vamos ter o PSDB com outro bom candidato. Temos grandes nomes do partido, o governador eleito José Serra e o reeleito Aécio Neves.
Então lanço hoje o José Serra.”
Serra não quis falar sobre o assunto: “Tenho duas preocupações no momento, que são as essenciais: me preparar para fazer um bom governo em São Paulo e ajudar a eleger Alckmin. 2010 é um longuíssimo prazo'.
De Silvia Amorim, no Estadão: “De olho na popularidade do colega José Serra (PSDB), governador eleito de São Paulo, para ampliar sua votação na capital, o presidenciável tucano, Geraldo Alckmin, fez campanha ontem ao lado dele. Os tucanos escolheram para pedir votos um reduto petista, o bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste. A região foi uma das poucas em que Alckmin perdeu o primeiro turno para o presidente Lula na cidade - teve 30% dos votos válidos e Lula, 58%.”
É agora que o rabo torce a porca...

domingo, outubro 08, 2006

Limites de comportamentos éticos perdidos

A reeleição de Lula poderá significar o apoio definitivo da população para o rompimento explícito de qualquer linha de princípio ético, de responsabilidade e de respeito à lei.
Os acontecimentos na vida política nacional nos últimos anos revelam que foram perdidos todos os limites de comportamento ético no sistema político. Atribuir-se a culpa total ao estilo do governo Lula seria distorcer o viés da análise. Da mesma forma, seria faltar com a verdade supor-se que não foi nese período que abriram completamente as portas do vale-tudo ou da máxima maquiavélica. A corrupção praticamente um vício na vida do país, ganhou nesses últimos anos grandezas difícil de imaginar num país onde o governo se diz voltado para a mudança das condições de vida das camadas mais carentes da população. Em nome desse discurso, o que constata é o desvio de finalidade para o benefício de um grupo de pessoas, com golpes e manobras, numa escalada sem fim em direção ao túmulo do comportamento probo.
O escandalo de vez com a comercialização de falsos dossiês, tendo o PT por trás das ações criminosas, evidencia o nível de ausência de dignidade alcançado. Isso não me espanta, depois que "artistas", quase sempre financiados pelo dinheiro público, saem dizendo ao presidente que é preciso praticar atos ilícitos na condução da política do país para se impor uma linha de governo. Combine-se a isso à declaração do presidente Lula na primeira página do Folha de São Paulo, segundo a qual seu "demônio" fecharia o Congresso para "fazer o que é preciso" e chegaremos à conclusão de que não há mais limites aos preceitos mínimos da moralidade.
A reeleição de Lula poderá significar, na cabeça do próprio e dos outros de nível de pensamento semelhante, que a vitória na urna eletrônica é o apoio definitivo da população para o rompimento explícito de qualquer linha de princípio ético, de responsabilidade e de respeito à lei. Em nome de uma atuação voltada para a melhoria das condições de vida da camadas mais carentes da população, acentua-se no país a luta de classes, impulsiona-se a diferença étnica, viola-se os diques da mínima moralidade e se transforma em mentira, a demagogia, o populismo, em mecanismos de retrocesso político, sem que a contrapartida do crescimento econômico saia dos patamares baixos.
Tenho dito...

sábado, outubro 07, 2006

Atuação da imprensa volta à ordem do dia na reta final das eleições

Atuação da imprensa volta à ordem do dia na reta final das eleições
“A contagem regressiva para as eleições gerais de 1º de outubro fez brotar, há algumas semanas, textos, editoriais e comentários na chamada grande mídia (conjunto de veículos comerciais de alcance nacional) que expressaram um sentimento de perplexidade. De diferentes formas, as ‘vozes’ iniciaram uma reflexão pública - embora não explícita - sobre o porquê da força da candidatura petista apesar da exposição negativa em jornais e emissoras de TV.
Uma das justificativas dadas foi a falta de ‘informação’ da base que pretende votar em Lula, majoritariamente de renda mais baixa. Por ‘informação’, leia-se as reportagens veiculadas pelos mais poderosos meios de comunicação. Mas que informação é esta? Segundo pesquisa do Observatório Brasileiro de Mídia sobre a cobertura dos principais jornais e revistas do País realizada entre julho e agosto, Lula, o candidato, é retratado de forma negativa em 47,41% das matérias, contra 31,2% oportunidades em que o tratamento é positivo. No caso de Alckmin, a situação se inverte, com a abordagem positiva significando 44,56% das notícias onde o presidenciável aparece, contra 31,42% de citações negativas.
A comparação com outras eleições em que a grande mídia exerceu grande influência - como na de 1989, quando construiu um candidato sem história como no caso de Fernando Collor de Melo, era prova de que algo estaria dando errado. Durante algumas semanas, vigorou o argumento do ‘povo desinformado’, do povo ‘que não sabe votar’ (leia análise sobre o tema). O povo, neste caso, seria a maioria mais pobre que vota em Lula. Segundo pesquisa do Datafolha de 18 e 19 de setembro, entre as famílias com renda de até dois salários mínimos (SMs), o índice de voto do atual presidente chega a 57%, enquanto nas famílias que ganham mais de 10 salários mínimos as intenções caem para 30%. Com Alckmin, novamente os índices se invertem. Nas famílias de mais de 10 SMs, 42% dizem votar no candidato do PSDB, enquanto nas famílias de até dois salários mínimos o índice cai para 24%.
Os discursos diante da perplexidade dos colunistas de grandes veículos passaram a ver um descolamento da população com a ‘opinião pública’. Para intelectuais e analistas, no entanto, este grupo não consegue distinguir as opiniões de seus veículos da opinião da população. ‘Analistas políticos sempre acreditaram que são formadores de opinião. Gostam da idéia de que a opinião deles é a que normalmente vai prevalecer. Eles pensam que são opinião pública’, disse o professor da Universidade de Brasília, Venício Lima, em debate com o tema ‘Mídia e Poder’ realizado no Sindicato dos Bancários de Brasília na semana passada. Lima lançou recentemente livro sobre a cobertura da imprensa durante a crise política originada com as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
Em seu blog, o sociólogo e colunista da Carta Maior Emir Sader criticou duramente a posição dos colunistas trazendo como causa da força de Lula o conjunto de políticas promovido pelo governo. ‘Não vão aprender, colocaram a culpa no povo, com a esperança - como disse Lula - de dissolver o povo, de substituir o povo por outro, dos seus sonhos. Quem é essa imprensa, para se reivindicar a missão de fiscalizar os governos? Que moral tem para isso? Quem lhes entregou esse mandato? Pelo voto popular, ninguém. Eles se reivindicam a si mesmos’.
Em entrevista concedida à revista Caros Amigos, o jornalista Franklin Martins, ex-comentarista político da TV Globo e atual contratado da TV Bandeirantes, tenta explicar a perda de influência da mídia usando a teoria da ‘pedra no lago’. A opinião deste grupo de jornalistas irradiaria para o conjunto da população a visão das pessoas sobre os fatos. Para Martins, os primeiros anéis da onda, para usar a referência da imagem, deixaram de ser as classes ricas e médias e passaram a ser as classes C e D, mais diretamente afetadas pelas políticas governamentais e pela redução da miséria e da pobreza. No raciocínio do jornalista, não só houve um deslocamento como o voto das classes mais pobres passou a influenciar o da classe média, fazendo referência ao crescimento da candidatura Lula entre este segmento. Para Venício Lima, o mais correto seria usar a ‘teoria do espelho’, na qual os colunistas da grande mídia viam tamanha identificação entre o que escrevem e o que ‘opinião pública’ pensa que imaginavam serem suas análises e linha editorial apenas reflexos da posição da população.
Lima avalia o quadro atual, no entanto, com outro referencial: a ‘teoria da cascata’, do intelectual italiano Giovanni Sartori. Segundo ela, há um processo de irradiação das idéias das elites econômicas e políticas, além da mídia, para o conjunto da população. Mas a medida em que a ‘água’ desce, ela é ‘contaminada’ pelos variados níveis da cascata, numa nova referência visual para explicar o fato de que a população interpreta as idéias dominantes de acordo com os seus valores. A teoria ajudaria a explicar como as condições da população teriam papel importante na formação da opinião, mas para Venício Lima o fenômeno da candidatura Lula é algo ‘novo, ainda a ser melhor compreendido e explicado’.
Apesar deste caráter novo, é possível apontar alguns elementos que compõem este quadro. O mais citado é o impacto das ações de governo. ‘Embora tenha sempre havido em outros governos programas sociais, não só eles sempre foram fragmentados como foram mínimos e não definiram perfil. No governo Lula houve política social, camadas populares viram o Estado trabalhar com elas e para elas’, analisou a professora da Universidade de São Pailo, Marilena Chauí, no debate promovido pelo Sindicato dos Bancários. De acordo com dados da pesquisa ‘Miséria, Desigualdade e Estabilidade: O Segundo Real’, feita com base na Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicilio (Pnad), o índice da população em condição de miséria caiu entre 2003 e 2005 de 28,2% para 22,7%.
Mas o fenômeno se estenderia para campos além da eleição presidencial? Para o sociólogo e colunista da Carta Maior Emir Sader, o bom desempenho de Lula não consegue se traduzir nas candidaturas ligadas ao presidente que disputam governos estaduais em posição oposicionista. ‘Não dá para comparar com candidatos estaduais, pois são pregações [as candidaturas]. A força do Lula não são argumentos, são políticas sociais concretas, pois palavra contra palavra ganha a direita e não houve candidaturas regionais que tivessem se contraposto ao consenso existente enquanto ele [Lula] conseguiu políticas concretas. Não é discurso político com força vigorosa que se contrapõe ao lobby da mídia’, analisa. Na avaliação do sociólogo, a mídia continua promovendo a ideologia liberal e mantendo sua influência junto à população, mas não consegue incidir na formação do voto, que no caso de Lula deixa de ser ‘ideológico’ e passa a ser ‘social’.
A perda de influência da mídia no caso Lula não significa a alteração do papel dos meios de comunicação na formação de valores e da agenda pública, concorda Flavia Biroli, professora de Ciência Política da UnB. ‘A mídia torna visíveis fenômenos sociais, eventos e atores que compõem o que chamamos de atualidade, que no nosso sistema político, a democracia, tem na visibilidade elemento importante para sua existência, dependendo portanto da mídia como espaço pelo qual a política se faz visível’, argumenta. Um exemplo disso, acrescenta Venício Lima, é o fato de o quadro eleitoral apontar a reprodução de uma maioria conservadora na disputa pelos governos estaduais. Esse grupo dirigente, não por acaso, tem ligação direta (e indireta) com os donos das redes de televisão, rádio e dos jornais nos estados. Exemplos nítidos são os candidatos líderes nas pesquisas Roseana Sarney (PFL), cuja família é detentora da retransmissora da Rede Globo no Maranhão, e Paulo Souto (PFL), ligado ao grupo de Antônio Carlos Magalhães, que também possui a retransmissora da Globo na Bahia, além de jornais e emissoras de rádio.
A cobertura jornalística do caso da prisão de petistas tentando comprar um dossiê com informações sobre um suposto envolvimento de José Serra com a ‘máfia das sanguessugas’ também se encaixa nesse esquema, segundo Venício Lima. ‘Há uma unanimidade midiática que nunca vi. Na grande mídia, o que prevalece tanto na edição das matérias quanto nas colunas de opinião e no enquadramento é a condenação do governo e do candidato, sem qualquer contraponto. É presunção de culpa (expressão, que se opõe ao direito constitucional à ‘presunção de inocência’)’.
A questão da cobertura dos caso dossiê foi tema da coluna dominical do ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, no último domingo (24). Na opinião dele, a opção pelo destaque prioritário à compra em detrimento do conteúdo do tal dossiê - ‘foi a correta e se justifica por critérios jornalísticos’, especialmente pelo flagrante da operação envolvendo integrantes da coordenação da campanha presidencial petista e uma bolada de R$ 1,7 milhão, com indícios de participação de veículos de comunicação, às vésperas das eleições. ‘O fato de considerar a conspiração para a obtenção do dossiê mais importante do que o dossiê não significa que esteja de acordo com o pouco empenho dos jornais na apuração das denúncias contra Serra e Barjas Negri. Uma cobertura não anula a outra. Os jornais têm profissionais e espaço suficientes para tocarem duas investigações simultâneas. Não quer dizer que devam ter o mesmo peso na edição, mas deveria haver lugar para as duas’, ponderou.
Para o professor Venício Lima, a mudança deste quadro parece distante, pois junto com a condenação uníssona do governo vem a crítica a priori de qualquer tentativa de constituir um sistema de mídia nacional plural e democrático, o que significaria perda de poder para o restrito e concentrado clube dos grupos que detém o controle dos meios de comunicação do País.”

Cenas de sectarismo explícito

Cenas de sectarismo explícito
I. Em 1954, no marco das mobilizações de denúncia contra a corrupção e seus desdobramentos do governo de Getúlio, de que os comunistas participavam, Almino Afonso – o digno e combativo dirigente da esquerda brasileira nas últimas décadas – teve um estranho sentimento quando, no largo São Francisco, viu chegar uma manifestação contra o Getúlio, com um bando de mulheres quatrocentonas, o mais representativo da oligarquia paulista (a Daslu da época).Nesse momento Almino começou a se perguntar se o PC estava mesmo do lado certo. Imediatamente em seguida ao anúncio do suicídio de Getúlio, o povo saiu às ruas do Rio de Janeiro e um dos seus principais alvos foi a sede do jornal do Partido Comunista. A sensibilidade política dos dirigentes comunistas – possivelmente sob o impacto da extraordinária carta-testamento de Getúlio, apontando para os verdadeiros inimigos do povo, o imperialismo em primeiro lugar – mudaram sua posição.Alvo de uma brutal campanha de denúncias, com um forte tom golpista, Getúlio esteve no limite do impeachment, de que o salvou o suicídio, a carta e a mobilização popular. A direita estava pronta para assumir o governo, com um movimento militar, quando o suicídio reverteu tudo, desfez o mal-entendido da aliança da esquerda com a direita.
II. Começo dos anos 30, Alemanha: os comunistas caracterizavam a social-democracia como “braço social do nazismo”, uma espécie de quinta coluna do nazismo dentro do movimento operário e da esquerda. Os social- democratas diziam que o comunismo e o nazismo eram apenas variantes do totalitarismo, no fundo a mesma coisa.Resultado: divididos, os partidos de esquerda facilitaram a ascensão do nazismo, que não teve eqüidistância, nem neutralidade: reprimiu ferozmente ambos e se consolidou no poder por muito tempo, graças à incapacidade da esquerda de distinguir um aliado tático de um inimigo fundamental, de distinguir as fronteiras entre o campo da esquerda e o da direita (as análises de Trotsky em Revolução e contra-revolução na Alemanha são o melhor modelo de crítica do papel nefasto do sectarismo e do ultra-esquerdismo).
III. A China maoísta, divergindo do modelo soviético e da política externa da URSS, caracteriza a esta como tendo retornado ao capitalismo. Como vivemos na época imperialista do capitalismo, uma potência capitalista é imperialista. Assim, a URSS seria imperialista. Como teria um disfarce socialista, a chamavam de social-imperialista. Como os EUA seriam o imperialismo decadente e a URSS o imperialismo ascendente, este seria o mais perigoso. O que autorizaria a alianças com o imperialismo decadente contra a URSS. Favoreceram o isolamento e a derrota da URSS, que teve efeitos negativos para todo o campo da esquerda no mundo.São cenas de que a esquerda deveria tirar lições na hora de caracterizar as forças em presença, os enfrentamentos de classe e seu alinhamento – se quer ser considerada esquerda, frontalmente oposta à direita.
Postado por Emir Sader às 12:17

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