pensante

René Queiroz

Minha foto
Nome:
Local: Sampa, Brazil

marcado

sexta-feira, setembro 30, 2005

Uma sociedade sem esteios

Estamos à deriva da sensatez.
De um lado, o Sr. José Alencar filia-se ao partido comandado pelo bisco Edir Macedo. De outro, o governo insiste na violência federativa que é a transposição das águas do São Francisco.
Os fatos dos últimos dias nos mostram como muitos estão perdendo o senso da realidade. Nas horas finais para a inscrição partidária, visando ao pleito do ano próximo, houve um corre-corre, em que menos se pensava no espaço nacional, e mais nos próprios espaços políticos. E tivemos surpresas espantosas, como a da filiação de homens como o Sr. José Alencar ao partido criado e comandado pelo bispo Edir Macedo.
A simples existência de um partido – tenha o nome que tenha – sob a liderança da Igreja Universal do Reino de Deus é aberração em um estado laico, como o nosso, e mais ainda em uma sociedade que busca combater a injustiça e a exploração dos pobres. Sabe-se que o Sr. Edir Macedo se encontra sub-judice, em processos que se arrastam há anos, sob a suspeita de lavagem de dinheiro e evasão ilegal de divisas. O Sr. José Alencar tem uma biografia que não o aconselhava a uma escolha partidária como essa. Mas, enfim, a cada um a sua liberdade.
Não fica nisso o balé dos espantos. O governo insiste na violência federativa que é a transposição das águas do São Francisco ao Nordeste. Sr. Ciro Gomes quer partir logo para o fato consumado. Mas ele se engana: a menos que Lula se reeleja, essa obra não será terminada nunca. Há mais: já se articula, nos Estados da Bahia e de Pernambuco, uma reação viril contra a sangria do São Francisco, no momento em que ela for ensaiada. O exemplo de Itamar, no caso de Furnas, está sendo citado nas margens do São Francisco. O governo não se dá o cuidado de nem mesmo ouvir os governadores da região.
No melhor dos casos, corremos assim o risco de se gastarem centenas de milhões em uma fase inicial da obra, para que ela seja interrompida pelo bom senso dos governos futuros. O problema não é só de natureza técnica, é também de natureza política. O governo Lula, nesse particular, está seguindo a arrogante postura centralizadora do seu antecessor.
Do ponto de vista técnico há várias razões contra o projeto. Elas foram expostas com clareza pelo governador João Alves, de Sergipe. Contra o projeto também já se manifestaram o governador e representantes da sociedade baiana. Mas tanto o Ministro, quanto o Presidente, batem o pé, como se o Brasil não fosse, pelo menos formalmente, uma federação, e um estado democrático, no qual a sociedade tem o direito de decidir o que pode e o que não pode fazer o governo central. Como muitos já apontaram, o problema do nordeste não é o da falta de água: é o de falta de solidariedade dos ricos para com os pobres. É a velha divisão, que o saber popular registra, entre “cavalcantis e cavalgados”, em Pernambuco, e entre “coutinhos e coitados” na Paraíba.
Se continuar insistindo no projeto, o presidente Lula pode ter uma torrente de votos contrários, se vier a disputar a reeleição. Os sentimentos telúricos são muito mais fortes do que se pensam. Ainda agora, a Catalunha acaba de declarar-se “uma nação dentro da Espanha”.
Estamos à deriva da sensatez.
Mas há sinais de que a cidadania não aceitará o que era comum no passado.
A condenação de um juiz de direito que matou covardemente um vigia de Supermercado, graças ao irretorquível depoimento de uma câmara de televisão, ainda que tenha sido branda para o tipo de crime que cometeu, é sinal de que os tempos são mudados.
Estamos redescobrindo o Brasil: o Brasil dos cidadãos.
Era um Brasil que existia, mas se mantinha sitiado pelas elites.
E se as elites não o aceitarem, ele as dispensará, mais cedo do que tarde.

quinta-feira, setembro 29, 2005

Nós na rede

A blogosfera tupinambá está dedicada ao tema do aborto.
Há duas maneiras de se posicionar a este respeito, evidentemente, contra ou a favor. Um dos argumentos mais batidos é pragmático: aborto continuará acontecendo. Então, para que seja feito em condições de segurança, que seja legalizado. Outro argumento nesta linha segue pela exclusão social. Mulher de classe média ou rica faz em dois tempos, sem riscos; mulher pobre, não. É mulher pobre quem roda.Mas esta é uma trilha perigosíssima. Porque assassinatos também continuarão acontecendo e, nem por isso, cogita-se legalizá-los. E, bem, gente rica em geral também não vai para a cadeia por crime de morte; contrata quem suje as mãos que é em geral também quem termina enclausurado caso careça de alguém para o cepo.Há também o argumento um quê canalha do controle de natalidade. Pobre não pode ter tanto filho, quanto mais filho tem, quatro, cinco, seis, mais gente para ser mal educada, maltratada, mal levada e que a vida os carregue como pode. Pobres têm mais filhos que ricos e isto tem a ver com educação, por certo. Mas legalizar aborto para resolver em massa o que devia ser papel da contracepção é um tanto atordoante.Esta, na verdade, é exatamente o tipo da discussão que não pode ser levada às cegas, sem pesar com cautela os argumentos contrários. Que se ignore qualquer argumento religioso – o Estado é laico; que se permita o aborto de fetos que venham a ter qualquer falha grave, daquele tipo que cause sofrimento e leve a uma vida infeliz; que se permita o aborto do fruto de estupros ou de quaisquer futuros natimortos.No fim ainda restará sempre a questão dos filhos indesejados, que é o cerne da polêmica. O problema, aí, é que não há escapatória. Acidentes, momentos de paixão exacerbada, não acontecem apenas entre adolescentes mas também entre adultos. É da natureza humana. O compromisso de assumir uma criança, de criá-la por toda vida e de gostar e de querer e conviver e tudo o mais que vem é coisa diversa. Às vezes, um homem e uma mulher não desejam que aquele um momento represente este tipo de compromisso; às vezes, até desejam, mas não têm condições, não naquele instante, quem sabe em um tempo. Vida é complicada demais, as possibilidades são inúmeras.
Claro, claro – há a discussão de onde começa a vida. Mas, no fim das contas, a vida começa quando o feto começa a sentir. A ciência já determinou quando é isto. Outras discussões – alma, essência, seja lá o que for, não são questões que cabem a uma sociedade laica. O resto, o resto é a decisão pessoal de um homem e, principalmente, de uma mulher. É nesta esfera, não na do Estado, que devem entrar princípios morais, religiosos ou sejam quais forem. O casal é que deve, por seus princípios, por suas particularidades, por suas circunstâncias, decidir.O aborto só é ilegal porque, por demagogia, o Estado se recusa a reconhecer o direito dos cidadãos de fazerem suas próprias escolhas. E isto é fundamental, principalmente, nestas questões as mais delicadas que afetam tantas vidas

Pedro Doria

quarta-feira, setembro 28, 2005

Arrigo Barnabé


Sete horas da manhã
Você arruma o sutiã e vai embora
Na escola
Você pensa no bilhete que deixou
Nessa hora, quase chora
Mas garota, nós mal nos conhecemos
Você já vem com essa e me escreve tão depressa: conflito de geração
Você não sabe, essas diferenças.....
Só dão tesão!
Sete horas da manhã, eu coloco o meu Rayban
E vou pra casa ...

(Conflito de geração)

A primeira vez que ouvi estes versos, curtos mas decididos, fiquei muito feliz.
A primeira vez que li estes versos ,
A primeira vez,
A...

Arrigo, que bom te ouvir de novo, amigo.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Saiba

Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar
Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano
Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao Tsé Moisés Ramsés Pelé
Ghandi, Mike Tyson, Salomé
Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você

Arnaldo Antunes

sábado, setembro 24, 2005

Weberianas...

"Pode-se dizer que há três qualidades essenciais para um político:
paixão, sentido de responsabilidade e senso de proporção"
Max Weber

quinta-feira, setembro 22, 2005

Carta aos alunos - Marilena Chaui - trechos

Vocês sabem que a diferença entre a ordem humana, a ordem física e a ordem biológica (para usar expressões de Merleau-Ponty [filósofo francês, 1908-1961]) decorre do fato de que as duas últimas são ordens de presença enquanto a primeira opera com a ausência. As leis físicas se referem às relações atuais entre coisas; as normas biológicas se referem ao comportamento adaptativo com que o organismo se relaciona com o que lhe é presente; mas a ordem humana é a do simbólico, ou seja, da capacidade para relacionar-se com o ausente.
É o mundo do trabalho, da história e da linguagem. Somos humanos porque o trabalho nega a imediateza da coisa natural, porque a consciência da temporalidade nos abre para o que não é mais (o passado) e para o que ainda não é (o futuro), e porque a linguagem, potência para presentificar o ausente, ergue-se contra nossa violência animal e o uso da força, inaugurando a relação com o outro como intersubjetividade.
Num belíssimo ensaio sobre “A Experiência Limite”, Blanchot [Maurice Blanchot, escritor e crítico francês, 1907-2003] marca o lugar preciso em que emerge a violência na tortura de um ser humano. A violência não está apenas nos suplícios físicos e psíquicos a que é submetido o torturado; muito mais profundamente ela se encontra no fato horrendo de que o torturador quer forçar o torturado a lhe dar o dom mais precioso de sua condição humana: uma palavra verdadeira.
NÃO FALO.
Vocês já leram La Boétie [Étienne de la Boétie, filósofo francês, 1530-1563, amigo do filósofo Michel de Montaigne]. Sabem que a servidão voluntária é o desejo de servir os superiores para ser servido pelos inferiores. É uma teia de relações de força, que percorrem verticalmente a sociedade sob a forma do mando e da obediência. Mas vocês se lembram também do que diz La Boétie da luta contra a servidão voluntária: não é preciso tirar coisa alguma do dominador; basta não lhe dar o que ele pede.
NÃO FALO.
A liberdade não é uma escolha entre vários possíveis, mas a fortaleza do ânimo para não ser determinado por forças externas e a potência interior para determinar-se a si mesmo. A liberdade, recusa da heteronomia, é autonomia.
Falarei quando minha liberdade determinar que é chegada a hora a vez de falar.”
Marilena Chaui

quarta-feira, setembro 21, 2005

História da Ética e Severino Cavalcante

O estudo formal da Ética, realizado de forma analítica e séria, foi iniciado pelos gregos, prosseguindo depois com os romanos. Dentre importantes estudiosos da Ética, incluem-se os sofistas e Sócrates, Platão e Aristóteles, o qual desenvolveu o naturalismo ético. O estudo da ética foi mais amplamente desenvolvido por Epicuro e pelo epicurismo, e também por Zeno e pelos estóicos.

Embora não desenvolvido em um senso analítico e formal, o tema da ética foi de grande interesse para as escrituras da Bíblia Hebraica e, séculos depois, o Novo Testamento e os textos apócrifos. Uma visão geral da ética nestes assuntos podem ser encontrados no artigo Ética na Bíblia; um artigo relacionado, Ética em religião cobre um tópico mais extenso em como o assunto Ética se desenvolveu nas religiões maiores.

O estudo formal da filosofia estagnou até a era medieval, quando ela ganhou força através dos escritos de Maimonides, São Tomas de Aquino e outros. Foi dessa vez que o debate entre as éticas baseadas nas leis natural e divina ganhou nova importância.

A filosofia ocidental moderna começou com o trabalho de grandes nomes como Thomas Hobbes, David Hume e Imanuel Kant. Seus trabalhos foram continuados pelos utilitaristas Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Friedrich Nietzsche teve pouca paciência e lançou ataques severos nessas teorias. O estudo da ética analítica partiu de G. E. Moore e W. D. Ross, seguidos pelos emotivistas C. L. Stevenson e A. J. Ayer. O Existencialismo foi desenvolvido por escritores como Jean Paul Sartre. Alguns filósofos modernos que fizeram textos filosóficos sérios na ética incluem John Rawls, Elliot N. Dorff e Charles Hartshorne.

A visão descritiva da ética é moderna e, de muitas maneiras, mais empírica. Como esses assuntos são tratados mais profundamente em seus artigos, o resto deste artigo irá se focar em categorias acadêmicas formais, que são derivadas da clássica filosofia Grega, especialmente Aristóteles.
Inicialmente, é necessário definir uma sentença ética, também conhecido como uma afirmativa normativa. Trata-se de um juízo positivo ou negativo (em termos morais) de alguma coisa. Sentenças éticas são frases que usam palvras como bom, mau, certo, errado, moral, imoral, etc. Aqui vão alguns exemplos:
“Salomão é uma boa pessoa”
“As pessoas não devem roubar”
“O veredito de Collor foi justo”
“A honestidade é uma virtude”
Em contraste, uma frase não-ética precisa ser uma sentença que não serve para uma avaliação moral. Alguns exemplos são:
“Salomão é uma pessoa alta”
“Alguém pegou o som do meu carro”
“O veredito de Collor foi culpado em suas acusações”


Um de menos.
Voltou para a sua pobre e desgraçada João Alfredo, o cangaceiro da triste figura, o purulento Severino Cavalcanti. Não deixará a menor saudade, apenas uma sensação de alívio após o prolongado asco.Com um discurso ridículo e repetitivo, redigido por seus assessores, já que semi-analfabeto, o corrupto confesso renunciou ao mandato de deputado federal e à presidência da Câmara dos Deputados de uma só vez. Seus colegas não o brindaram com um aplauso sequer, mas a consciência nacional se fez presente nas galerias através de meia dúzia de jovens que o despediram com um impagável “vai embora, Severino!”. O silêncio dos colegas foi significativo: de tão podre, terminou só.
Não fará falta. Que volte no lombo de um jegue para essa cidade malsinada de onde veio. Prometeu que voltará. Deus nos livre dessa praga! Que os pernambucanos tenham juízo e não nos imponham, novamente, a presença desse tumor ambulante, mal cheiroso e pestilento. Do único presidente da Câmara dos Deputados que renunciou ao cargo e ao próprio mandato por ser pego com a boca na botija achacando fornecedores da própria casa!
Pode parecer confuso misturar estes temas em um unico post, mas a bagunça é tanta que pensei em citar até o Daniel Dantas. Deixa prá lá.
Rene

segunda-feira, setembro 19, 2005

O que é Democracia ?

Democracia é um sistema de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com o povo. Para usar uma frase famosa, democracia é o "governo do povo para o povo". Democracia se opõe às formas de ditadura e totalitarismo, onde o poder reside em uma elite auto-eleita.
Democracias podem ser divididas em diferentes tipos, baseado em um número de distinções. A distinção mais importante acontece entre democracia direta (algumas vezes chamada "democracia pura"), onde o povo expressa sua vontade por voto direto em cada assunto particular, e a democracia representativa (algumas vezes chamada "democracia indireta"), onde o povo expressa sua vontade através da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.
Outros itens importantes na democracia incluem exatamente quem é "o Povo", isto é, quem terá direito ao voto; como proteger os direitos de minorias contra a "tirania da maioria" e qual sistema deve ser usado para a eleição de representantes ou outros executivos.

trechos da entrevista com Marilena Chaui

Agência Brasil - Professora, num país como o Brasil, o que significa comemorar 114 anos da proclamação da República, como aconteceu no último sábado?
Marilena Chauí - É preciso lembrar pelo menos três coisas importantes para entendermos a nossa república. A primeira é que a noção de república não é idêntica à de democracia. A república, tal como ela é pensada em Roma, é um governo aristocrático, ou seja, é uma oligarquia. Apenas aqueles que são definidos, no caso de Roma, como romanos, isto é, participantes da propriedade do solo de Roma, é que são considerados politicamente válidos.
Isso significa, portanto, que não podemos identificar república e democracia. A república é a exigência da separação entre o espaço privado e o espaço público e da existência da constituição escrita, mas ela não está vinculada à idéia de um direito universal à participação política e ao exercício do Poder, que vai ser a idéia da democracia. Esse é o primeiro ponto que é importante, porque dá para entender porque é que você é republicano no Brasil, sem ser necessariamente democrático. Você também pode entender por que nos Estados Unidos existem dois partidos, um chamado republicano e outro chamado democrata.
O segundo ponto que é interessante observar no caso do Brasil é que a proclamação da República se dá num quadro semelhante ao da proclamação da independência. Quando você toma os outros países da América Latina ou da Europa, as repúblicas foram constituídas a partir de revoluções, de guerras civis, de lutas populares pela implantação do novo regime.
No caso do Brasil, tanto a independência, quanto depois a república, é um golpe de estado. O governante toma a decisão de mudar a forma do regime sem que isso seja proveniente de uma vontade popular que tenha se manifestado de alguma maneira. A república no Brasil é implantada de cima pra baixo, diferentemente dos outros processos republicanos em que ela vai da ação popular na direção do Poder político.
O terceiro ponto é que a nossa república sempre foi oligárquica, à maneira dos romanos, e, dada a sua origem de implantação de cima pra baixo, ela sempre foi uma república autoritária. Ela corresponde ao autoritarismo da sociedade brasileira.
Agência Brasil - Em sua opinião, quais são os pontos aos quais o atual governo precisa atentar para efetivar essa democracia?
Marilena - Este é um momento historicamente adverso para a democracia. A democracia é constituída por duas idéias principais. Primeiro, pela idéia de que ela é uma forma social de criação de direitos pela ação da própria sociedade, e esses direitos têm de ser conservados e garantidos pela sociedade. Na medida em que está implantado o modelo neoliberal no mundo inteiro, a idéia de criação de direitos e de conservação e garantia dos direitos pelo Estado é uma idéia que está em crise. Portanto, o governo Lula, para assegurar o caráter democrático, tem que navegar contra a maré presente.
A segunda coisa é que a democracia se caracteriza - ela é o único regime político que tem essa característica - por considerar que o conflito é legítimo e que o conflito exprime a vida democrática. Em todas as outras formas políticas, o conflito é aquilo que é considerado um perigo, ilegítimo, ilegal, e ele é reprimido.
Na democracia, ele é considerado o coração mesmo do regime, a explicitação de contradições, de conflitos, de antagonismos, de diferenças. Ora, a tendência no Brasil, em função do autoritarismo social e da nossa tradição política oligárquica, é não suportar a expressão dos conflitos e considerá-lo imediatamente uma crise, dando um sentido muito peculiar à noção de crise.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Condenado a ser candidato


Lula está condenado a ser candidato à reeleição.

Não importa que sua popularidade esteja em queda, e em queda feia.
Não importa que continue caindo. Também não importa que esteja destinada a cair mais ainda ao ser atingida durante a próxima campanha pela lama do caixa 2 do PT, do mensalão e de outras maracutaias.

Se Lula renunciasse à candidatura o PT implodiria. Simplesmente o partido não tem outro candidato.
Se Lula renunciasse, não haveria ninguém com autoridade para defender seu governo ao longo da campanha. Se Lula renunciasse, assinaria a confissão de que sequer pôde ser candidato.

Para ele, é melhor perder brigando do que perder sem brigar. Se for derrotado, ainda lhe restarão um partido e a esperança de tentar voltar mais adiante. Tem idade para isso.
De resto, não está escrito nas estrelas que morreu de véspera.

Por ora, nem seus desafetos mais renitentes lhe negam a condição de candidato destinado a passar para o segundo turno. E se ele pelo menos chegar lá, já não terá desempenhado um papel tão feio assim.

As manifestações de arrogância de Lula servem para disfarçar seu complexo de inferioridade. Ele não estudou porque não quis. Não se preparou adequadamente para governar porque não quis. Não se cercou de auxiliares mais competentes porque tem dificuldade para avaliar direito quem escolhe.

Mas é claro que ele não pensa nada disso a respeito de si mesmo. Para compensar as deficiências, considera-se um iluminado. Quem sabe, um escolhido por Deus. Sendo assim, acredita que poderá dar a volta por cima, sim. Como deu depois de três derrotas consecutivas para presidente.

O que seria das eleições se os candidatos não acreditassem que podem vencer?

Os que não querem, terão de engolir Lula candidato outra vez.

terça-feira, setembro 13, 2005

Severino é filho do PSDB

Um ex-secretário de Estado dos EUA é o autor da famosa frase sobre o ditador Anastácio Somoza: “It’s a sun of a bitch, but it’s our son of a bitch”. No Brasil, Severino é o "Somoza" da burguesia que o elegeu. Agora que não serve mais, querem o cargo de volta.
A burguesia não tem partido, já nos ensinava Gramsci. Usa os partidos e os políticos, conforme lhe interessem em cada momento político, afim de garantir a reprodução da sua lógica de maximização dos lucros e de hegemonia dos seus valores na sociedade. Da mesma forma que o império se vale de quem cumpra com os seus desígnios. O ex-secretário de Estado norte-americano Foster Dulles, no governo Eisenhower, é o autor da famosa frase sobre o ditador Anastácio Somoza: “It’s a sun of a bitch, but it’s our son of a bitch”.
A burguesia brasileira se valeu de uma malta de aventureiros e corruptos, conforme lhe foram funcionais para derrotar a esquerda e garantir a continuidade do poder. Foi assim com Jânio Quadros, para derrotar o nacionalista general Henrique Lott. Foi assim com a ditadura militar, para derrotar a esquerda. Foi assim com Collor, para derrota a esquerda. Foi assim com Severino Cavalcanti, para impor derrota ao governo Lula.
Depois, passada a circunstância, quando já não tem mais utilidade ou caso se torne um aliado incomodo, a burguesia se desfaz dos bonecos que criou e inflou, jogando-os no lixo, até mesmo tratando de demonstrar que não tinha nada com isso, como se tivessem sido invenções da natureza ou do acaso. Foi assim com Jânio, com a ditadura militar, com Collor, e agora com Severino.
Este foi um candidato articulado pelos tucanos, com FHC na cabeça. Um Pigmaleão do mal, lançado, apoiado e votado pelos tucanos – a começar por esse ex-comunista, Alberto Goldman, que agora finge que não tem nada a ver com esse engendro. Os tucanos colocaram um vice de confiança deles, do PFL, e diziam abertamente que seria o poder atrás do trono e, caso chegasse a hora, assumiria no lugar de Severino. Ieda Crusius, Artur Virgilio, Zulaiê Cobra – todos brindavam a vitória contra o governo, elevando Severino a presidência da Câmara de Deputados.
Agora se comportam como o tipo que foi pego roubando um “porco”, com o bicho nos ombros e que faz gesto de surpreso: “Tirem esse bicho daí.” As marcas digitais do crime apontam para os dedos dos tucanos. Se a imprensa tivesse um mínimo de decência, reconstituiria os votos que elegeram a Severino e publicaria a lista, para que a cidadania pudesse saber quem joga com a republico conforme sopra o vento.
Os mesmos mentores das denúncias contra a corrupção, aqueles que privatizaram o patrimônio publico a preço de banana, os mesmos que querem retornar ao poder para dar continuidade a esse processo, privatizando a Petrobras, o Banco do Brasil, a Eletrobrás, a Caixa Econômica Federal, cumprindo o compromisso que assumiram com o FMI, quando quebraram o país pela terceira vez em seu governo, são os que geraram o monstro de Severino Cavalcanti e agora querem jogá-lo na lata do lixo, de onde o tiraram, porque já lhes serviu e agora se torna aliado incômodo.
Severino sempre foi conhecido como corrupto. Mas era “their son of a bitch”, o corrupto – um dos tantos – de plantão no PSDB. Não serve mais e deve ser descartado. Outros aventureiros se candidatam a terem seus 15 minutos de glória. Como dizia o cartaz no casamento do filho de César Maia: “Não procriem”. É necessário castrar os tucanos, antes que povoem de novo o poder de Severinos.

Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

domingo, setembro 11, 2005

Severino pode ter se suicidado com a entrevista coletiva que concedeu há pouco na Câmara, mas pelo menos, não se recusou a enfrentar os jornalistas e a responder a todas as perguntas que lhe foram feitas.Seus assessores queriam que ele respondesse apenas a dez perguntas de jornalistas escolhidos mediante sorteio. Ele respondeu a todos que quiseram perguntar. E a maioria fez mais de uma pergunta.

Está aberta uma crise sem precedentes no país.
E ela é de todo o interesse do Poder Executivo. Não é por acaso que Severino conversou antes com Jaques Wagner. Pensem bem: dado o atual estágio das coisas, ou a Câmara aceita ser dirigida por quem já perdeu a autoridade moral para fazê-lo, ou tudo pára.
O foco se deslocou de Lula e do Poder Executivo e foi para onde o Planalto sempre quis: o Congresso, o Poder Legislativo.
E agora?

Só falta entrar em cena o Olavo e as Olavetes de plantão para aquecer o circo,
Meu Deus!!!

sábado, setembro 10, 2005

Alguém neste país precisa dizer umas coisas ao torto e à esquerda.

Recentemente, a mídia caiu de pau em cima do Lula, entrevistando historiadores de baixo calibre, pelo fato dele ter se comparado a Vargas, a Jango, e a JK; políticos que viveram crises políticas terríveis em seus respectivos mandatos. Repetiu-se, à larga, que era um absurdo Lula comparar-se a esses "grandes".
Peralá. Ninguém nega a importância desses três para a história nacional, mas Vargas foi um ditador que por pouco não se aliou à Alemanha nazista e prendeu, torturou e matou milhares de militantes políticos, inclusive o doce e sereno Graciliano Ramos.
Peralá. JK vendeu o país às petrolíferas estadunidenses, ao desmantelar todo o sistema ferroviário nacional, fator até hoje considerados um dos maiores desastres históricos do país: nos amarrou a um modelo absurdo de infra-estrutura para um país continental como o Brasil. Lula, quando assumiu, prometeu construir ferrovias, mas percebeu que fazer trem e linhas férreas, começando quase do zero, requeria investimentos enormes inalcançáveis no momento ao Brasil. Outra do JK: foi ele que deu início à nova fase de endividamento externo do país. Brasília foi uma beleza, disso ninguém duvida. Mas na época ele era amaldiçoado pelas esquerdas por torrar todo o Tesouro Nacional ali, e ainda pedir emprestado lá fora, deixando o resto do país à míngua.
Peralá. Jango também foi importante, quis fazer as reformas e tal, mas todo mundo sabe que ele era muito mais de falar do que fazer. Mesmo o Darcy Ribeiro e Paulo Freire ficaram amarrados, sem conseguir deslanchar seus projetos. Além disso, foi bobo, irresponsável, não soube enxergar o golpe que se tramava debaixo de seu nariz, e que iria lançar o país nas trevas por 20 anos. A única coisa que Jango fez de "grandioso" foi casar com a filha de um latifundiário.
Outra coisa, nunca votei no PT por causa de ética que o partido propalava. Votei porque sabia que o Serra ia implantar a Alca, privatizar a Petrobrás a preço de banana (assim como fizeram com nossa saudosa Vale do Rio Doce); o mesmo Serra que hoje privatiza o uniforme escolar das crianças paulistanas.
Sempre soube que o PT não era partido de santo; não existem santos em partidos; e já alertava para o fato de que, subindo ao poder, o deslumbre era inevitável.

Por Miguel do Rosário

Em Postas...


Exposto em postas (Por Tânia Fusco)

Não é conjunção astral, nem bruxaria ou má fase.
Os impérios estão caindo de podre – o americano e o nosso silencioso, ativo e ilegal subterrâneo político.

A arrogância, o desmando e a violência do poder americano têm sido expostas desde a guerra do Vietnam. Mas, nesses anos Bush, tudo é explicito: mentiras, torturas, a força do business – contabilizado ou não -- nas decisões de Estado. Agora, em New Orleans, também ficaram expostas e explicitas as desditas da má administração pública made in USA: falta até manutenção em setores essenciais, como diques para a contenção de águas. Há abandono das periferias pobres, lentidão e paralisia no socorro aos desgraçados pela fúria da natureza. Quase todos pobres, of course.

Em terras brasileiras, todo o exposto nesses meses de crise política faz parte do imaginário popular desde muito e é ironizado nas novelas, nos programas humorísticos, nos enredos de blocos carnavalescos e das escolas de samba. Está em muitos versos da nossa MPB. “Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”. Yes. Quase todos ricos.

Estava na boca do povo. Era sabido. E foi ficando endêmico, de largo e longo alcance, porque nunca combatido de verdade. Assim, na sombra do cinismo, virou um império do mal. Podre, acabou derrubando o tapume. Veio para a praça pública de cueca, primariamente explícito.

New Orleans não é New York. Bush não é Roosevelt. E o modelo cínico, desigual, globalizado principalmente no mal, está indo pro brejo. Lá, aqui e acolá. Foi-se inclusive o mito da eficiência não violenta da polícia inglesa. As fachadas estão podres. Caem os tapumes. E com eles os pequenos homens e suas pequenezas. Severino não é Ulysses.
Lula não é JK.

quinta-feira, setembro 08, 2005

A Moral e a Ética não são a mesma coisa...

A moral se afirma a partir de principios abstratos, é indiferente aos processos reais, ao passo que o moralista, afirmando-se portador do Bem contra o Mal, entra em querra justa contra os diabos (a corrupção) que na realidade opõe os fins (transcedentais) aos meios (as condições politicas para alcança-los).
Ao contrário, a Ética é inseparavel do processo e dos sujeitos que a produzem, ou seja, da transformação social economica que ela determina e que a constitui. A Ética não procura assemelhar-se a um bem que já existe, mas o produz e, nessa exata medida, não é uma querra justa ou uma cruzada em nome desse suposto bem, mas sim uma produção de paz.
A Ética não é a procura de um fim mais justo, pois ela é interna, imanente, ao processo de recomposição dos fins e dos meios; a Democracia, ou a virtú contra a fortuna.
Enquanto a moral é constituida, a Ética é constituinte.
Maquiavel, que não gostava nada do Savonarola (monge que condenava a corrupção e acabou sendo queimado pela inquisição), dizia que a virtude não era outra coisa senão o povo em armas...
Trata-se então, de apostarmos na radicalização democrática, unico caminho para a recomposição - Ética - dos meios e dos fins, um momento em que a virtude se erga contra a fortuna, contra o acaso, contra o passado e contra tudo o que é estabelecido.

Rene

sexta-feira, setembro 02, 2005

Vocabulário da Crise

Nunca uma crise política foi tão didática. Até a mais simples criatura entende os termos usados para ensinar quem pratica corrupção, como e onde.É difícil entender, de tão abstratos, valores como "2 milhões, 10 milhões, 1 bilhão" de qualquer coisa, seja real, seja dólar. Mas é bem fácil fazer as contas e saber o que significam "30 mil, 50 mil, 400 mil", especialmente se são reais, pagos em parcelas e apelidados de "mensalão".Depois, somaram-se à crise termos como cueca, mala, dólar, cafetina. Na seqüência, mais uns tantos que não fazem parte da rotina do cidadão comum, mas já estão bem difundidos em botecos, padarias, salas de jantar e escritórios, como caixa dois e Land Rover.De quebra, o nome de um dos envolvidos é auto-explicativo: Jacinto Lamas, o ex-tesoureiro do PL que buscou não sei quantos milhões nos bancos do esquema Marcos Valério.Só faltava ao dicionário das CPIs a palavra "assassinato". Não falta mais. João Francisco Daniel, irmão do prefeito de Santo André, Celso Daniel, torturado e morto a tiros num assalto ainda muito nebuloso, disse à CPI dos Bingos que ele foi vítima porque sabia demais. Sabia, por exemplo, de propinas na prefeitura para as campanhas petistas.Esquenta o vocabulário, mudam os focos. O Conselho de Ética votou por unanimidade a favor da cassação de Roberto Jefferson. As CPIs dos Correios e do Mensalão acusaram formalmente 18 parlamentares passíveis de cassação de mandato. Mas a crise não é mais "do Congresso". É também "do governo".Dirceu, que foi homem forte do Planalto até outro dia, brinca de pular a fogueira. O assessor petista Rogério Buratti jogou Palocci no fogo com a denúncia de propina na Prefeitura de Ribeirão Preto para o PT. O irmão de Celso Daniel agora empurra Gilberto Carvalho, o mais fiel escudeiro de Lula.O ministro Thomaz Bastos acha que o dicionário se esgotou e a crise está "no fim". Há controvérsias.

Eliane Cantanhede (Folha de S. Paulo), 2/9/2005

Pense

"O importante não é o que fazemos de nós,
mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós."
(Jean Paul Sartre)

quinta-feira, setembro 01, 2005

Marina Colasanti

li este texto hoje no http://www.marmota.org/blog/ e achei que poderia reproduzir aqui,

Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti.
texto do livro - Eu sei mas não devia-

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.