Tempo Livre e Ócio criativo...
Lendo por estes dias Theodor Adorno em Industria Cultural e Sociedade destaco o cap. Tempo Livre, seque um fragmento para explicar porque cada vez que ligo a televisão lembro de Adorno,
...Em entrevistas e levantamentos de dados, sempre se é questionado sobre o seu ‘hobby’. Quando as revistas ilustradas informam a respeito de algum figurão da indústria cultural, falar dos quais é, por sua vez, a ocupação principal da indústria cultural, poucas vezes perdem o ensejo de relatar algo mais ou menos íntimo sobre os ‘hobbies’ dos mesmos. Quando me toca essa questão, fico apavorado: Eu não tenho qualquer ‘hobby’. Não que eu seja uma besta de trabalho que não sabe fazer consigo mesma nada além de esforçar-se e fazer aquilo que deve fazer. Mas aquilo com o que me ocupo fora da minha profissão oficial é, para mim, sem exceção, tão sério que me sentiria chocado com a idéia de que se tratasse de ‘hobbies’, portanto ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar o tempo, se minha experiência contra todo tipo de manifestações de barbárie — que se tornaram como que coisas naturais — não me tivesse endurecido. Compor música, escutar música, ler concentradamente, são momentos integrais da minha existência, a palavra ‘hobby’ seria escárnio em relação a elas. Inversamente, meu trabalho, a produção filosófica e sociológica e o ensino na universidade, têm-me sido tão gratos até o momento que não conseguiria considerá-los como opostos ao tempo livre, como a habitualmente cortante divisão requer das pessoas. Sem dúvida, estou consciente de que estou falando como privilegiado, com a cota de casualidade e de culpa que isto comporta; como alguém que teve a rara chance de escolher e organizar seu trabalho essencialmente segundo as próprias intenções. Esse aspecto conta, não em último lugar, para o fato de que aquilo que faço fora do horário de trabalho não se encontre em estrita oposição em relação a este. Caso um dia o tempo livre se transformasse efetivamente naquela situação em que aquilo que antes fora privilégio agora se tornasse beneficio de todos — e algo disso alcançou a sociedade burguesa, em comparação com a feudal —, eu imaginaria este tempo livre segundo o modelo que observei em mim mesmo, embora esse modelo, em circunstâncias diferentes, ficasse, por sua vez, modificado...