pensante

René Queiroz

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Local: Sampa, Brazil

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quarta-feira, junho 29, 2011

Tempo Livre e Ócio criativo...

 Lendo por estes dias Theodor Adorno em Industria Cultural e Sociedade destaco o cap. Tempo Livre, seque um fragmento para explicar porque cada vez que ligo a televisão lembro de Adorno, 
 ...Em entrevistas e levan­tamentos de dados, sempre se é questionado sobre o seu ‘hobby’. Quando as revistas ilustradas informam a respeito de algum figurão da indústria cultural, falar dos quais é, por sua vez, a ocupação principal da indústria cultural, poucas vezes perdem o ensejo de relatar algo mais ou menos íntimo sobre os ‘hobbies’ dos mesmos. Quando me toca essa questão, fico apavorado: Eu não tenho qualquer ‘hobby’. Não que eu seja uma besta de trabalho que não sabe fazer consigo mesma nada além de esforçar-se e fazer aquilo que deve fazer. Mas aquilo com o que me ocupo fora da minha profissão oficial é, para mim, sem exceção, tão sério que me sentiria chocado com a idéia de que se tratasse de ‘hobbies’, portanto ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar o tempo, se minha experiência contra todo tipo de manifestações de barbárie — que se tornaram como que coisas naturais — não me tivesse endurecido. Compor música, escutar música, ler concentradamente, são momentos inte­grais da minha existência, a palavra ‘hobby’ seria escárnio em relação a elas. Inversamente, meu trabalho, a produção filosófica e sociológica e o ensino na universidade, têm-me sido tão gratos até o momento que não conseguiria conside­rá-los como opostos ao tempo livre, como a habitualmente cortante divisão requer das pessoas. Sem dúvida, estou consciente de que estou falando como privilegiado, com a cota de casualidade e de culpa que isto comporta; como alguém que teve a rara chance de escolher e organizar seu trabalho essencialmente segundo as próprias intenções. Esse aspecto conta, não em último lugar, para o fato de que aquilo que faço fora do horário de trabalho não se encontre em estrita oposição em relação a este. Caso um dia o tempo livre se transformasse efetivamente naquela situação em que aquilo que antes fora privilégio agora se tornasse beneficio de todos — e algo disso alcançou a sociedade burguesa, em comparação com a feudal —, eu imaginaria este tempo livre segundo o modelo que observei em mim mesmo, embora esse modelo, em circunstâncias diferentes, ficasse, por sua vez, modificado...

sábado, junho 25, 2011

TRAGO OU TRAZIDO? O TEMPO DIRÁ!

Um dos mais interessantes vetores da mudança linguística é a chamada hipercorreção, a atitude do falante que aplica certas regras gramaticais onde, em princípio, elas não se aplicariam. Em sociedades com uma pesada tradição normativa, como a nossa, impera também uma forte insegurança linguística na maioria da população. Acostumados a ouvir que “brasileiro não sabe português” (porque só os portugueses “falam certo” a língua que, afinal, “é deles”) ou que “português é uma das línguas mais difíceis do mundo”, somos levados a querer acertar demais, isto é, exageramos na aplicação das regras gramaticais. Bom exemplo é a flexão no plural do verbo haver, impessoal (“Houveram muitos problemas”), ou a concordância indevida com a expressão “trata-se de” (“Tratavam-se de casos excepcionais”), por pressão da regra estapafúrdia que manda ir para o plural os verbos acompanhados do pronome “se” (“Alugam-se casas”, como se casas pudessem alugar-se a si mesmas!). Outro caso clássico de hipercorreção é a famigerada “colocação pronominal”, que tira o sono dos brasileiros há século e meio. Como o uso do pronome depois do verbo (ênclise) é totalmente estranho ao português brasileiro (onde o pronome oblíquo antes do verbo é a colocação intuitiva, natural e espontânea), as pessoas tendem a usar exclusivamente essa colocação, inclusive onde a gramática normativa proíbe (“Não lembro-me”, “Já telefonei-lhe”, “Espero que sinta-se bem”, “Eu tinha mandado-a embora”). Também ocorre hipercorreção com os chamados “verbos abundantes”, que têm mais de um particípio. Muita gente acha que só existem as formas “ganho”, “entregue”, “pago” etc. e que é errado dizer ou escrever “eu tinha ganhado”, “tinha entregado”, “tinha pagado” etc. Por analogia e hipercorreção, surgiram novos particípios irregulares que, só porque são novos, sofrem o combate sistemático dos patrulheiros gramaticais de plantão. Estou falando dos particípios “trago” (“Ele tinha trago os livros”) e “chego” (“Ela tinha chego atrasada”) que, a julgar pelo combate violento que sofrem, já devem estar muito bem instalados na gramática intuitiva da maioria dos brasileiros. Sobre “trago”, por exemplo, encontrei essa belezura na internet: “Isso é uma asneira que é ouvida por aí entre alguns beócios”. Que meigo, não? Agora pergunto ao caro leitor: você acha certo ou errado dizer “o corrupto foi pego em flagrante”? Acha certo? Pois veja o que dizia o conhecido dicionário Caldas Aulete (na 5a ed., 1964) no verbete pego: “Só os incultos empregam este termo”. E agora veja o que diz o dicionário Houaiss (1999): “pegar apresenta duplo particípio: pegado, pego (ê ou é)”. Como as coisas mudaram em 35 anos, não? De uma análise preconceituosa para uma apresentação neutra, sem nenhum juízo de valor. Por isso, em vez de sair por aí esbravejando contra o que é novo na língua, melhor procurar entender serenamente os processos de mudança linguística. Assim, daqui a 50 anos, ninguém vai rir da sua cara ao ver que você condenava um uso que se tornou absolutamente normal, corriqueiro e bem aceito por todos os falantes, inclusive os que se acham muito cultos e letrados!
Marcos Bagno

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